Estamos em um ano par. Não se trata de numerologia. No Brasil, anos pares são os sazonais eleitorais. A cada dois anos, as forças políticas se articulam com objetivos específicos para alcançar vitórias políticas e/ou eleitorais. Trata-se de um período de efervescência no meio político e nos segmentos que fornecem serviços eleitorais. Planejadores de políticas públicas, juristas, agências de comunicação, estrategistas, pesquisadores e analistas apresentam soluções. A dedicação desse artigo é sobre o campo comunicacional: estrutura para atuação estratégica.

As ofertas são variadas e, por vezes, extrapolam competências de quem as oferece. Surgem, entre fornecedores de serviços eleitorais, figuras generalistas, espécie de coaches ou sofistas modernos que atuam na vida política, com ofertas de sucesso eleitoral. Os papeis se misturam, e grandes erros são cometidos por políticos que terceirizam o destino de suas campanhas aos generalistas. Diante dos riscos, proponho aqui uma segmentação macro das atuações profissionais em campanhas majoritárias no campo estratégico, uma visão estrutural da ação política em anos pares – é ideal que se mantenham também nos ímpares. Tal segmentação, no que se refere ao campo estratégico e comunicacional, se estrutura em três eixos:  articulação política, plano de governo e comunicação. Um quarto eixo fundamental é o do Direito – mas deixarei esse aspecto para um especialista de “alta patente” em artigo futuro.

A cronologia do ano par em 2024 indica que os “portais partidários” são fechados na primeira semana de abril. O primeiro trimestre é intenso em articulações. Nesse campo, sobressaem as figuras políticas com talentos inatos para articulação no jogo eleitoral. Protagoniza-se, assim, o eixo da articulação política. Esse período é marcado por uma campanha “para dentro” do meio político: convencimento de forças políticas sobre a potência da candidatura. É nesse período que os candidatos a vereador são arregimentados por partidos que estão associados a uma (pré)-candidatura. O líder político de um grupo é figura central nesse processo. Ainda que um profissional generalista se apresente para esta missão – alguns com níveis altíssimos de pretensão e “cartas na manga” – a experiência local é determinante para a tarefa. Recentemente, fizemos um diagnóstico sobre a melhor opção de candidatura em um pequeno município interiorano. Dentre as opções apresentadas para teste, a que expressava desafio menos intenso na opinião de eleitores (em pesquisas qualitativas) foi severamente rejeitada pelos componentes do grupo político. A insistência naquela escolha poderia provocar uma debandada que prejudicaria as articulações. Graças às sondagens no meio político feitas pelo líder, a escolha foi corrigida. Nenhuma consultoria substitui plenamente uma boa “orelha política” com experiência no território eleitoral.

Um plano de governo ou de atuação parlamentar – que orienta o segundo eixo mencionado – é fruto de competências específicas. São habilidades que devem reger o planejamento comunicacionais – não o contrário. Por exemplo, não foi um grupo de publicitários que criou o Plano Real, mas sim, economistas. Não foram estrategistas de comunicação que elaboraram o Favela Bairro, no Rio de Janeiro, mas urbanistas. Nem tampouco foram ideias da comunicação que criaram as UPP`s, Tarifa Zero, UPA`s, Leve Leite etc. Políticas públicas devem ser criadas por competências específicas e “embaladas” pela habilidade criativa da comunicação – nessa ordem, não a inversa. Não são poucas as campanhas que entraram em desgraça a partir de proposições de planos inviáveis, desastrosos, impopulares. Em uma campanha na capital paulista, fui testemunha e descobridor de uma bancarrota eleitoral fruto de proposição estapafúrdia. Cada um em seu quadrado! Plano de atuação política para quem é da política pública – e não se metam na comunicação, deixem para que os estrategistas rotulem a ideia! Uma das raízes para a elaboração de planos de governo está na análise de Guerreiro Ramos (Teoria N versus Teoria P).[1] Muitas proposições, em busca da tal modernidade nas políticas públicas, são lançadas pela perspectiva paradigmática da Teoria N. Nela, se propõe como as políticas públicas devem ser independentes das possibilidades de uma realidade concreta. Guerreiro salienta a importância de políticas públicas pensadas na perspectiva das possibilidades (Teoria P), que vai além de criações fantasiosas. Por exemplo, apesar de ser um projeto extraordinário, o “tarifa zero” não pode ser aplicado em qualquer município – o plano vai além da proposição, passando por projeções orçamentárias. O coração de uma campanha bem-sucedida está nesse eixo do planejamento, do plano. A reputação que tanto se busca na esfera da comunicação encontra pilares de sustentação no plano de governo. A perspectiva ou experiência de bem-estar rege a formação reputacional. Essa é a grande base da produção comunicativa.

O terceiro eixo – da comunicação – é bastante controverso. Os especialistas na área, que muitas vezes se envolvem em decisões dos eixos anteriores (na maior parte das vezes, sem perícia para as missões), também sofrem com intervenções variadas. Aliás, a comunicação, em seu jogo de vaidades, pela exposição que possui, recebe pitacos de todo canto. Um equívoco muito presente e cometido com frequência é o de acreditar que a comunicação seria uma tarefa realizável por qualquer pessoa. Assim, muitos querem opinar, sem a mínima vocação ou preparo. A tarefa de comunicação está cada dia mais complexa. A especialização mais profunda sobre o tema é necessária mais do que nunca. Cursos que aprofundam conhecimento (técnico e científico) se espalham pelo mundo para atender demandas eleitorais. Da mesma maneira que é arriscada a intervenção sem perícia nas políticas públicas, os pitacos na comunicação são também nocivos às campanhas.

No final das contas, cada um em seu quadrado. Os três eixos apresentados são fundamentais nos anos pares. E a essência de uma boa gestão reputacional está em encontrar profissionais preparados e respeitar as expertises de cada eixo.