Base da economia no Brasil, profissionais liberais sofrem com falta de rotina e demanda contínua de trabalho. Veja 5 dicas de como se organizar para conseguir se desligar e escapar do burnout

Pode ser uma escapada de sexta a domingo ou, quando muito, uma viagem de uma semana, mas a empreendedora Carla Balta está sempre atenta ao celular. Dona de uma marca de slow fashion – que aposta na logística mais sustentável para a produção de roupas –, ela admite que não consegue desligar por completo do trabalho em momentos que deveriam ser de descanso.

“O meu negócio é online, então é muito dinâmico, eu não tenho um horário de descanso estabelecido. Se meu site cai às 22h e tem cliente tentando fazer compra, eu preciso resolver o problema na hora. Eu até consigo liberar alguns dias na agenda para viajar, mas isso não significa que durante a viagem eu não vá fazer reuniões ou tenha que resolver coisas o tempo todo.”

Risco de burnout

 De acordo com o Mapa de Empresas, do governo federal, o Brasil tinha, em outubro de 2023, 7,8 milhões de micro e pequenas empresas ativas. Isso sem contar os MEIs (microempreendedores individuais) que, segundo a Receita Federal, somavam 15,6 milhões de pessoas. Fora do regime CLT, estes profissionais não têm direito a férias remuneradas e precisam considerar o impacto no faturamento ao interromper as atividades.

Some essa responsabilidade ao período movimentado de consumo pelo Natal e o repouso de fim de ano vira um artigo de luxo! O problema é quando a rotina de trabalho intensa traz consequências graves para a saúde. Em 2022, a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou a Síndrome de Burnout como uma doença ocupacional – ou seja, resultado de uma relação direta ou indireta com o trabalho.

Para a psicóloga do trabalho Miryam Cristina Mazieiro da Silva, do IPq/HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), apesar de integrar um quadro mais amplo, a Síndrome de Burnout provoca o adoecimento relacionado a estressores específicos da atividade profissional.

“O Burnout é caracterizado por três dimensões: a exaustão emocional, que é uma espécie de esgotamento mental, gerada pelas excessivas demandas de trabalho, combinadas com recursos insuficientes para enfrentá-las; a despersonalização, que é um distanciamento emocional dos colegas, do cliente e do próprio trabalho; e a baixa realização profissional, ou seja, uma falta de perspectiva em relação ao trabalho, um sentimento de que aquilo não é mais significativo para o indivíduo.”

A psicóloga alerta para diversos sintomas causados pela síndrome, como fadiga constante, dores musculares, distúrbios do sono, enxaquecas, imunodeficiência, hipertensão arterial e disfunções sexuais. “O diagnóstico deve ser feito a partir de uma avaliação clínica cuidadosa por um médico, sendo necessário detalhar a história da moléstia atual, o histórico profissional, e os fatores de risco psicossociais do ambiente de trabalho”, alerta Miryam.

A importância do descanso

 Sócia em uma agência de design gráfico, Priscila Belavenute nem consegue sonhar com uma viagem de fim de ano, período marcado pelo aumento de demandas na sua área. E o descanso diário? Só na hora de dormir. “Eu sou produtiva fora do horário comercial, então meu horário de trabalho é flexível e eu funciono melhor assim. Eu não fico trabalhando direto, mas isso não significa que eu descanso, já que faço outras coisas como cozinhar, lavar a louça, lavar roupas ou ir à academia. Agora, parar durante o dia para um cochilo ou relaxar, isso não existe.”

Carla também sabe da dificuldade de manter uma rotina e administrar um negócio e encontrou em outras tarefas uma forma de se organizar. “Eu tento manter algumas coisas no mesmo horário, como acordar, dormir e almoçar. E tento resolver outras demandas durante o dia, que não são exatamente descanso, como ir na farmácia, no mercado, na academia, ou fazer um exame. Eu vou encaixando de acordo com o que precisa ser feito.”

Obsessão por desempenho

O trabalho excessivo, para Miryam Cristina Mazieiro da Silva, se encaixa em um contexto maior e enraizado na atualidade. “Temos uma cultura de um trabalhador obcecado com seu desempenho, que praticamente não consegue ter este afastamento psicológico benéfico do trabalho. Devemos ter cuidado com um excesso de positividade presente em todas as esferas da sociedade, que nos leva a pensar que somos incansáveis e que tudo depende exclusivamente de nós mesmos.”

Assim, dedicar um tempo para o repouso se torna uma questão de saúde. “Períodos de descanso são muito necessários para se manter uma boa saúde mental. Para termos um descanso e a consequente recuperação da fadiga que o trabalho promove, é necessário ter períodos de afastamento psicológico do trabalho.”

“Os períodos de descanso para recuperação da fadiga, como férias, descanso diário e nos finais de semana, se deram em cima de estudos científicos que apontavam como o corpo humano se recupera após esforço promovido pelo trabalho. Hoje a maioria dos trabalhos diminuiu a força física empregada pelo trabalhador para produzir o seu resultado, mas em compensação aumentou o desgaste cognitivo e emocional. Assim, tirar 30 dias seguidos de férias pode ajudar a promover aquele distanciamento necessário para a recuperação do desgaste do trabalho, proporcionando maior bem-estar e saúde mental ao trabalhador”, defende Miryam.

E como descansar?

 O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) compilou 5 dicas importantes que passam por gestão, finanças e comunicação.

1 – Tudo começa pela compreensão do próprio negócio, o ambiente que o envolve e qual o plano de ação a ser seguido. Ou seja, para o empreendedor aproveitar de fato as férias, a palavra-chave é planejamento.

2 – Depois, vem o olhar para as contas. Afinal, para tirar férias plenas, é preciso ter consciência de possíveis impactos financeiros. Segundo o Sebrae, isso passa por um orçamento bem definido e um controle gerencial eficaz. Dentro dos lucros, uma dica é realizar uma reserva focada no período de descanso.

3 – O próximo passo é mais complicado do que parece: marcar a data. A recomendação do Sebrae é, primeiro, identificar períodos do ano com menor faturamento e que, portanto, terão menor impacto nos resultados financeiros.

4 – Empreendedores com filhos estudando também costumam priorizar meses de férias escolares – dezembro, janeiro e julho. E caso não seja possível se afastar do trabalho por um período maior, é possível fracionar as férias ou afastar-se por menos tempo.

5 – A entidade ainda reforça a necessidade de informar clientes e parceiros sobre as mudanças de funcionamento. Isso pode ser feito por contato direto ou em publicações nas redes sociais, informando dias em que a empresa estará de férias e outras mudanças que afetem a experiência. O objetivo é reforçar a relação de confiança.