Pandemia faz crescer o consumo de livros entre paulistas e fluminenses

Entre 2004 e 2005, um programa de 15 minutos na finada MTV Brasil tinha um único objetivo: fazer as pessoas pararem de assistir ao canal. Com imagem escura e ruído irritante, o “Desligue a TV e vai ler um livro” era uma provocação, mas também uma denúncia de que o hábito da leitura estava em risco de se perder. Nos anos que se seguiram, o mercado editorial levou duros golpes com queda nas vendas de livros, fechamento de editoras, fim de revistas e de grandes livrarias, que passaram a priorizar o comércio digital.

O isolamento social como forma de reduzir o contágio pela covid-19 manteve as pessoas em casa por mais tempo e remexeu este cenário. Eis que o livro se tornou um atrativo no preenchimento da inesperada nova rotina. Pesquisa realizada pelo Instituto Informa, unidade de pesquisa de opinião pública do Bateiah.com, com entrevistados nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, aponta um aumento na atividade de leitura, seja por cópias físicas ou digitais – os e-books.

Entre os fluminenses, a leitura aumentou 38%. Para 30,4%, seguiu na mesma e, para 10,4%, diminuiu – outros 20,3% admitiram não ler. Já entre os paulistas, 35,2% consumiram mais livros. Outros 26,3% mantiveram o mesmo empenho de antes da quarentena, enquanto 9,8% diminuíram o ritmo e 28,8% disseram não passar da capa.

Em São Paulo, mais mulheres (37,2%) disseram ter aumentado o volume de leitura do que os homens (33,1%). No Rio de Janeiro, a tendência se inverte, com eles (42,2%) investindo mais nos livros do que elas (35,8%). A maior busca pela atividade se dá entre os mais jovens, entre 16 a 29 anos (44,1% dessa faixa passaram a ler mais em ambos os estados).

O levantamento mostra também que a leitura teve maior crescimento entre os mais escolarizados: 46,8% dos paulistas que possuem ensino superior aumentaram o hábito e, entre os que completaram somente o ensino fundamental, o aumento foi de 16,9% – nesta faixa, 49,1% admitiram não ler.

Por outro lado, a análise de renda familiar não mostra uma diferença tão marcante. Dos entrevistados fluminenses, 39% dos que ganham até dois salários mínimos passaram a ler mais no ano passado e 44,5% entre os que faturam mais de 10 salários mínimos reportaram o mesmo progresso.

Um dos pontos que mais marca a diferença nas realidades dos dois estados está na relação do trabalho com a leitura. Em São Paulo, o aumento da atividade foi mais presente entre os assalariados registrados (40%), sendo menor entre os desempregados (25,6%). A tendência é inversa no Rio de Janeiro, com 52,6% dos desempregados lendo mais e apenas 22,1% dos assalariados registrados seguindo a mesma tendência.

O protagonismo da leitura

O realizador audiovisual Germán Pérez, de 31 anos, disse ter perdido janelas de leitura da sua rotina anterior, como o tempo livre entre reuniões presenciais, ou na espera de uma ida ao banco. “Comecei a organizar minha agenda de outra forma, seja pelos estudos, com artigos científicos, ou com a literatura, lendo dois livros simultaneamente.”

O reforço intelectual da atividade também é motivador para a advogada Marina Ruzzi, de 28 anos. “Aumentei a leitura de uma forma bem orgânica e tenho esperança de seguir assim depois da quarentena.”

A assistente administrativo Claudia Palaia, 56 anos, sempre teve um grande interesse pelos livros, mas foi na quarentena que encontrou mais tempo para a leitura. “Comecei a pegar livros de indicações, da minha família, na internet… Teve um grande impacto no meu dia a dia, aprendi a dar um tempo para mim mesma.”

Crise no setor ainda é realidade

O maior interesse pela leitura é um primeiro passo, mas longe de salvar o mercado editorial da crise que enfrenta há muitos anos. O bookadvisor Eduardo Villela aponta que, apesar do crescimento dos livros digitais (e-books) e narrados (audiobooks) e do aumento das vendas de cópias físicas em lojas virtuais, editoras e livrarias sentiram o impacto da pandemia. “Metade dos livros físicos vendidos no Brasil saem de lojas físicas, e seu fechamento no início da quarentena afetou drasticamente o faturamento.”

Para Villela, alguns fatores da rotina imposta pelo isolamento social levaram a população aos livros, como a maior presença das crianças em casa ou o temor do desemprego, que motivaram os estudos. “Os livros de auto-ajuda também despontaram, porque as pessoas se sentiram inseguras, com medo, e esses títulos trazem um conforto emocional.”

Vamos ler mais?

Quem não está acostumado a ler livros do dia a dia pode encontrar dificuldades para tornar a atividade um hábito. A criadora de conteúdo Jéssica Lassance, responsável pelo perfil @pequenoslivros no Instagram, sugere começar devagar, com um conteúdo que considere interessante, e estabelecendo metas. “Já parou para avaliar quanto tempo fica rolando o feed das redes sociais? Troque uma atividade ou outra e veja como a leitura irá evoluir”, afirma.
Outra dica é estar sempre acompanhado de um livro. “As oportunidades aparecem quando são menos esperadas. Leia enquanto espera, é um ótimo entretenimento e uma forma criativa de passar seu tempo.” Para Jéssica, buscar dicas de títulos, seja por conhecidos ou na internet, desperta a curiosidade e cultiva a atividade.