Praias cheias, aglomerações e cada vez mais pessoas negligenciando os protocolos de saúde. Desde que as fases de flexibilização avançaram, uma boa parte da população parece agir como se o novo coronavírus não fosse mais ameaça. A realidade, porém, é outra. Após um ano do primeiro caso de Covid-19 ser registrado no país, o Brasil enfrenta um novo pico, superando a marca de mais de 10 milhões de casos e 250 mil mortes. Para os especialistas, trata-se de um cenário alarmante, que tende a piorar e as precauções, portanto, não podem ser minimizadas.
“Ao caminhar pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, observamos o desrespeito da população às medidas de isolamento e distanciamento social e uso adequado de máscaras. As pessoas vêm gradativamente perdendo o medo da pandemia”, observa o médico infectologista Bruno Zappa, do Hospital Adventista Silvestre.
Uma pesquisa sobre a flexibilização da quarentena foi realizada no Estado do Rio pelo Instituto Informa, unidade de pesquisa mercadológica do Bateiah.com. Foram entrevistadas 519 pessoas e o levantamento mostra que 55,4% estão diminuindo as restrições do isolamento e saindo para necessidades básicas. Continuam com restrições, ficando em casa, 33,7%; voltaram ao que era antes 10,9%.
O infectologista alerta que esse comportamento coloca em risco o indivíduo que se expõe e a sociedade como um todo por manter alta a circulação do vírus: “O que facilita o adoecimento de mais pessoas, com consequente aumento de mortes e o surgimento de novas mutações no vírus, que podem tornar as vacinas ineficazes, aumentar a transmissão e a gravidade da doença.”
Ainda segundo a pesquisa, 49,7% dos entrevistados se preocupam em não pegar a Covid-19 e seguem em quarentena – o posicionamento é maior (59,5%) aos que têm renda acima de 10 salários mínimos. Gostariam de continuar em isolamento, mas o trabalho não permite, 39,7%.
O jornaleiro Edson Alves da Silva, 64 anos, é um dos que gostariam de se manter em casa, seguindo as restrições. “Principalmente porque minha mulher é enfermeira e está de licença por ser do grupo de risco. Mas não tenho escolha, a não ser sair para trabalhar todos os dias. Porém, considero que o problema ainda é sério e é assustador ver tantas aglomerações, quando a pandemia ainda está aí entre nós”, lamenta.

Números diferem da realidade

A esteticista Amanda Pinheiro, 35 anos, admite que ficar em casa, após quase um ano de pandemia, tem sido muito difícil. Mas após passar por um susto familiar, ela entendeu a necessidade de seguir com as restrições. “Eu não acreditava na gravidade da pandemia no início, assim como minha mãe, e nos deixamos levar pela desinformação em grupos de conversa. Até que ela pegou a doença e foi uma fase muito difícil para todos. Estou otimista em relação à vacina, mas a gente precisa se segurar um pouco ainda antes de voltar à vida normal”, avalia.
Na visão do sociólogo Sergio Luiz Pereira da Silva, professor da Faculdade de Ciências Sociais da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), muitas pessoas ainda consideram pequeno o número de casos de Covid-19 no país: “Em uma população de 209,5 milhões de habitantes, 5% (mais de 10 milhões de casos) não é pouco! Desconsiderar esse número, somado ao fato da fadiga pandêmica, de estarmos cansados de ficar em casa há um ano, contribui para que as pessoas estejam mais nas ruas. E há outros fatores que influenciam, como a falta de renda, o aumento da violência doméstica e até o pensamento ideológico, o negacionismo. Já os trabalhadores das classes mais populares, esses estarão na rua com e sem vacina.”
O sociólogo ressalta que, após um ano de pandemia, os dados oficiais de casos de Covid-19 e de mortes decorrentes da doença não correspondem à realidade. “A sub-notificação é muito grande. Esses números, sobretudo relacionados aos infectados, podem ser até seis vezes maior. O medo das pessoas, ou o fato de elas considerarem o risco de sair, diminui à medida que você tem um número menor de casos sendo oficialmente apresentado”, constata.

Medidas de prevenção devem continuar

Se distanciar de quem se gosta, de quem você tem o dever de cuidar e zelar, não foi e não está sendo fácil. Na opinião da psicanalista Rita Martins, talvez por isso muitas pessoas tenham desistido do isolamento. “Sem querer entrar no mérito do que é certo ou errado, a flexibilização do isolamento social amenizou a ansiedade das pessoas que buscam, aos poucos, a retomada mínima de suas práticas do dia a dia”, diz.
A psicanalista acredita que muitas pessoas fizeram uma escolha de se arriscar à contaminação para se livrarem da reclusão: “Em muitos casos, acontece aí o que chamamos na psicologia de dissonância cognitiva, que é distorcer a realidade. Tenho uma informação, que é a do número de óbitos e o de contaminados. Então, inconscientemente, desacredito nessas informações que estão em conflito e distorço a realidade. Começo a dizer que, considerando o tamanho da população brasileira, até que foram poucos os casos de óbito ou desenvolvimento grave da doença. E começo a me dar essa desculpa para que eu volte ao estado de equilíbrio. É como se, ao desacreditar da letalidade da doença, isso me tornasse imune e assim eu posso ter essa retomada mínima da minha vida e rotina.”
A vida tem que continuar, é verdade. Mas, no atual estágio da pandemia no país, ainda não podemos abdicar de medidas preconizadas pelas autoridades de saúde, como frisa o médico infectologista Bruno Zappa, do Hospital Adventista Silvestre.
“O uso de máscara e o distanciamento social são fundamentais para o combate à pandemia. Não podemos relaxar.”