A pandemia do novo coronavírus desafia as dinâmicas de relacionamento. Com o distanciamento social e uma rotina de trabalho, estudos e lazer cada vez mais digital, um questionamento vira praxe: estamos cada vez mais sozinhos?

Para a maioria dos paulistas a resposta é não. Uma pesquisa do Instituto Informa, unidade de pesquisa de opinião pública do Bateiah.com, aponta que, mesmo na quarentena, seis a cada dez moradores de São Paulo não notam diferença em suas relações pessoais, seja com amigos, família ou colegas de trabalho.

O levantamento, que entrevistou 562 pessoas entre os dias 16 e 20 de dezembro do ano passado, tem margem de erro de quatro pontos percentuais e um nível de confiança de 95%, aponta que 21,2% se sentem mais acolhidos que antes e 18,8% se consideram mais solitários.

A editora de livros científicos Dirce Laplaca, de 42 anos, está completando um ano de trabalho remoto. Ela entende que a mudança no convívio ocorreu apenas na forma de contato. “Antes, o presencial era muito necessário, principalmente na área profissional. Precisávamos marcar reuniões para discutir assuntos que, hoje, resolvemos online.”

Chamadas virtuais por aplicativos como WhatsApp e Zoom fizeram com que Dirce se aproximasse de forma inédita dos seus familiares. “Pelo menos uma vez na semana a gente faz uma ligação com todo mundo, um hábito que a gente não tinha. Às vezes ficávamos mais de um mês sem nos falar.”

Segundo o psicólogo comportamental Felipe Barbosa, a tecnologia pode ser aliada ou vilã nos relacionamentos. “Tudo vai depender da forma que a utilizamos. Pouco tempo atrás, a gente se perguntava sobre o impacto da virtualização no afastamento das relações. Agora, buscamos entender como a tecnologia pode aproximar mais as pessoas.”

A atriz Roberta Forato, 21 anos, conta que se sentiu acolhida por parte dos amigos no último ano, mas sem o mesmo impacto do encontro “face-a-face”. “Como os vínculos são quase sempre pela internet, seus efeitos não reverberam como antes”, diz. “De outras pessoas acabei me afastando, algumas pelo tempo e distância e outras de forma natural.”

Barbosa acredita que, apesar de essenciais em um período de pandemia, as redes sociais e demais recursos das telas nunca vão substituir o contato físico. “O ser humano é sociável e precisa de contato com o outro para se desenvolver. É algo primordial da vivência em sociedade.”

 

E em casa, tudo bem?

O Instituto Informa perguntou também como está sendo a convivência dos paulistas com as pessoas de sua casa. Para 31,4% dos entrevistados, o momento promoveu maior aproximação, e 38,1% disseram não notar diferença nos relacionamentos sob o mesmo teto. Já 13,9% sentiram maior distanciamento, levado a um extremo por 6%, que passaram por episódios de brigas e rupturas – 10,6% vivem sozinhos.

Dirce, que mora com sua mãe na zona sul da capital paulista, confessa que, nos primeiros meses de quarentena, houve um estranhamento pela rotina imposta. “Nós tínhamos uma vida social muito intensa e nos vimos presas em casa. Depois de alguns meses, nos adaptamos e nosso relacionamento seguiu como antes.”

As tensões da vida em isolamento social têm levado a desentendimentos entre Roberta e sua família. “As brigas aumentaram muito, às vezes estou enfiada no quarto para não ter o desgaste da ‘hiper-convivência'”, desabafa. “No fundo, sei que estamos todos no mesmo barco e que todo mundo aqui se ama e quer o bem do outro, mas essa sensação de ‘prisão’ sobrecarrega o que deveria ser leve.”

O psicólogo comportamental explica que períodos de crise, como nesta pandemia, provocam sofrimento e anseios de sobrevivência. “As pessoas se tornam mais egocêntricas, mesmo que carreguem esse amor ao próximo.” No final, porém, o principal desejo é o de reaproximação. “Em momentos de comoção, o ser humano faz uma pausa para refletir. É uma oportunidade de ponderar sobre as coisas e pessoas que acreditamos serem importantes em nossas vidas. A partir dessa busca interna, se traçam caminhos com novos e antigos laços.”