“Desde o início da pandemia, vivo estressada com a falta de respeito da vizinhança da vila onde resido. São festas frequentes mesmo com as restrições, gente que chega e sai sem máscara. Fico chocada com a insensibilidade de tantos em meio a tantas mortes. Poxa, a gente se cuida, quer preservar a família e procura não sair de casa à toa. Como podem agir assim?”, questiona a contadora Fátima Gomes, 51 anos, moradora da Taquara, na zona oeste do Rio.
O comportamento da população em relação às restrições impostas pela pandemia foi observado em um estudo realizado em março, pelo Instituto Informa – unidade de pesquisa de opinião pública do Bateiah.com. O levantamento, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, revelou diferentes percepções entre moradores de bairros considerados de alta renda e de baixa renda.

No Rio, 208 pessoas foram entrevistadas e a diferença regional se destaca. Os moradores de regiões de baixa renda – Bangu, Realengo, Santa Cruz e Campo Grande – discordam bem mais das medidas restritivas (45,3%) do que os das áreas de alta renda – Leblon, Ipanema, Lagoa, Jardim Botânico e Gávea (28,4%). Em relação à saída de casa por obrigações do trabalho, responderam que saem 33,3% dos moradores de regiões de alto poder aquisitivo e que não saem, 45,1%. Nos bairros de baixa renda, disseram sim 36,8% e não, 43,4%.

A saída para atividades não essenciais também foi verificada. O percentual dos que saem é maior nas áreas menos abastadas: 18,9% contra 11,8% nas mais pobres. Quanto ao comportamento dos vizinhos, a maioria acha que eles não respeitam as restrições. Nos bairros mais favorecidos, 60,8% dos lares têm essa percepção, e nos de baixa renda, 54,7%.
Na capital paulista, onde 205 pessoas foram entrevistadas, o percentual dos que saem para trabalhar (33,3%) em bairros de renda alta se revela semelhante aos de renda alta do Rio. Já os que residem em bairros de renda alta são os que mais concordam com as restrições sobre festas e eventos (93,1%). Nas áreas de renda baixa, o percentual é de 84,5%.

Esgotamento mental

Para a psicoterapeuta Maria Pilar Marone, o esgotamento mental, agravado pela crise econômica, está entre os fatores que explicam a imprudência de muitos cidadãos: “Chegamos a um momento no qual as pessoas já não sabem mais o que fazer. Principalmente aquelas de renda mais baixa, que precisam sair para trabalhar, enfrentar transporte cheio e não têm reserva financeira. Mas, o que se observa, é que o cansaço mental passou a se manifestar em muitas pessoas, podendo ser um gatilho para a depressão, independentemente da classe social, como uma consequência dessa pandemia.”
A especialista explica que, por isso, muitos cidadãos se arriscam. “As pessoas se sentem ansiosas, com medo de perder a renda, acumular dívidas, não pagar o aluguel. Há os que pensam: ‘vou me arriscar e se eu pegar peguei’. É o que mais ouço de meus pacientes: ‘as ruas estão cheias’, ‘não posso aguento mais ficar em casa’. A sensação de risco muda, vem a negação, a pessoa acaba se expondo ao perigo e aos outros em seu círculo também.”

Mulheres concordam mais com as restrições

A pesquisa do Instituto Informa constatou ainda que a concordância com as restrições da prefeitura, com o fechamento dos estabelecimentos não essenciais, é maior entre as mulheres, com 67% delas sendo favoráveis enquanto 59,3% dos homens são contra. Moradora de Copacabana, na zona sul, a advogada Marcela Brás, 48 anos, afirma que evita ir à rua para o que não é indispensável. “É realmente muito difícil, após mais de um ano de pandemia, ficarmos dentro de casa. O que me facilita é o trabalho remoto. Mas, quando saio, a sensação é de que todos seguem sua vida normal.”
Marcela conta que, devido às restrições, vive uma guerra particular em casa com os filhos adolescentes: “Moramos a poucas quadras da praia e não permito que eles vão. Eles são jovens e acham tudo um exagero. Mas penso que as restrições devem continuar sim. Não é hora de lotar bar, ir à shows, pois nem sabemos se haverá doses de vacina para todos.”

Já o chaveiro Antero Soares, 36, morador de Nilópolis, na zona oeste, discorda. “O que adianta proibir praia, as crianças de irem às aulas, se ônibus, trens e metrô seguem lotados? Eu preciso sair para trabalhar. Muita gente já perdeu o emprego. Chega, já deu.”

Distanciamento social

Na opinião do médico infectologista Josias Abrahão Filho, a falta de diálogo das autoridades com a população contribui para o pensamento errôneo de muitas pessoas de que a pandemia não é tão grave: “Não temos líderes que deem bons exemplos. Eles mesmos participam de aglomerações, sem proteção. Há um conflito político. Ora um governante impõe restrições, logo elas são derrubadas. Ora mandam fechar comércio, mas no mesmo dia mandam reabrir. As pessoas ficam confusas e descrentes da gravidade real da pandemia.”

Especialistas afirmam que manter o distanciamento social continua sendo a melhor forma de evitar a propagação do coronavírus. “Peço que as pessoas respeitem as regras, porque vivemos um novo pico da covid-19, mais devastador. Evitar locais com aglomerações, usar máscara em todos os momentos e higienizar bem as mãos permanece sendo o básico”, diz o infectologista.

Cultura da solidariedade

A psicóloga clínica Angela Sorgine reforça que ainda não é o momento de relaxar e dá as dicas para manter as angústias sob controle: “Use máscara, tome vacina, fique em casa, respeite seu tempo e não se compare com os outros. Foque no que está no seu controle. Avalie racionalmente seu medo. Vá colocando metas para diminuir a angústia. Passos gradativos e crescentes, que garantam a sua segurança, mas que garantam também o bem-estar coletivo.”
Para Angela, o que importa agora é a cultura da solidariedade. “Contagiante mesmo deve ser o nosso cuidado pelo outro”, finaliza.