A pandemia evidenciou ainda mais um dos problemas que historicamente as mulheres enfrentam: dificuldades no mercado de trabalho e em casa, com o acúmulo de funções. Lívia Capeli, 41 anos, jornalista e fotógrafa, vive com o marido e o filho em São José do Rio Preto, interior paulista. A profissional já fazia o trabalho remoto antes da pandemia, mas contava com a tranquilidade da casa como aliada. No último ano, com a família reunida 24 horas por dia, a rotina teve de passar por adaptações.

A primeira delas foi a adequação da casa para a nova demanda, como as aulas do filho Enzo pelo computador. “Nessas horas, sempre surgem os contratempos. Uma hora a internet cai, na outra o áudio falha”, lembra. Os trabalhos jornalísticos diminuíram, mas a procura de fotografias aumentou, conta Lívia. “As pessoas passaram a valorizar ainda mais os registros fotográficos por conta da pandemia”.

Depois de mais de um ano desde o início da pandemia, Lívia diz que hoje sente mais medo do vírus. “No começo, a insegurança tinha a ver com o fato de ser uma doença desconhecida. Hoje, sabe-se que novas cepas surgiram e são ainda mais agressivas. Para piorar, temos de conviver com o medo de ficar doente e não ter como nos salvar por causa da falta de hospital.”

 

Medo sobre emprego cai

Parte das percepções de Lívia coincide com os resultados da pesquisa da Bateiah Estratégia e Reputação sobre os efeitos da pandemia entre paulistas e fluminenses. O estudo foi realizado nos estados de São Paulo (34 municípios) e Rio de Janeiro (28 municípios), entre 16 e 20 de dezembro de 2020, apenas em municípios com mais de 100 mil habitantes.

No Estado de São Paulo, 65,5% das mulheres e 54,4% dos homens disseram ter sentido mais medo da doença. Entre os fluminenses, os números são mais elevados. Ao todo, 71,8% das mulheres e 58,5% dos homens admitiram que esse sentimento foi potencializado. A pesquisa mostra que o número – 15,2% – de mulheres que vive em São Paulo e declara ter perdido o emprego após a pandemia é o dobro do que o revelado entre os homens – 7,8%.

Sobrecarga

Pellegrino, professora de Economia e coordenadora do curso de Administração da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas, explica que os impactos econômicos da pandemia têm levado a um retrocesso grande nas conquistas femininas, em especial no mercado de trabalho, depois de um período de avanço na busca por paridade de condições. Segundo o Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), no terceiro trimestre de 2020 (dado mais recente), a participação de mulheres no mercado de trabalho foi de 45,8%, o nível mais baixo em 30 anos.

“Em um momento em que se vê recordes de desemprego, o trabalho da mulher, que já era sujeito a oscilações, foi o mais afetado. Historicamente a mulher acumula várias jornadas, muitas não remuneradas, e agora é mais uma vez penalizada”, analisa a professora.

As mudanças causadas pela crise na saúde levaram muitos profissionais ao trabalho remoto. O novo jeito de trabalhar empurrou as mulheres para uma posição ainda mais frágil, explica Leila. “Elas ainda têm um papel muito estigmatizado como mães e donas de casa. Com o home office, tiveram de acumular outras jornadas, o que a transformou em um alvo mais fácil nas decisões de cortes das empresas”, completa Leila Pellegrino.