O tema sustentabilidade tem ganhado atenção de empresas e governos mundo afora e não tem sido diferente no Brasil, com os critérios ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG, na sigla em inglês) sendo cada vez mais buscados pelas empresas na tentativa de atrair clientes, investidores e parceiros comerciais. Aos poucos, as companhias vão percebendo que é possível unir resultados financeiros com um mundo mais sustentável. E os consumidores estão de olho nessas iniciativas. Estudo realizado pela BM Institute for Business Value (IBV) mostra que na comparação com dois anos atrás, 22% mais consumidores afirmam que a responsabilidade ambiental é muito ou extremamente importante na hora de decidir sobre uma marca. A estimativa é que 43% dos compradores estão dispostos a desembolsar o dobro para apoiar marcas sustentáveis e ambientalmente responsáveis.

Aliado a isso, os investimentos ESG estão batendo recorde. Considerando apenas a modalidade de ETFs, fundos cuja composição da carteira espelha um índice de referência do mercado, são cerca de 750 opções pelo mundo, sendo que 200 deles foram só no ano passado. Se por um lado os investimentos em ESG estão ganhando destaque, por outro lado essa expansão ainda não é vista quando o assunto é o combate à pobreza, em linha com o primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Conforme levantamento da TrackInsight, nenhum fundo de investimento leva em consideração erradicação da pobreza.

Confira o infográfico a seguir:

Social segue atrasado

Para a advogada Clarissa Yokomizo, sócia da área de ESG do escritório Souto Correa, ainda falta maturidade em relação à erradicação da pobreza e outras pautas acabam sendo mais rápidas, óbvias e mais fáceis de se vender, como a mudança do clima. “Este é um dos principais itens, mas não acho que está esquecido, está sendo analisado, mas outros itens trazem resultado mais rápido”, considera a advogada.

Ela avalia, no entanto, que de um modo geral há uma mudança de mentalidade das empresas e certas questões antes eram combatidas, como as questões ambientais que tentavam achar alternativas legais para evitar certas obrigações, hoje as empresas querem cumprir com esse tipo de ação e estão aderindo ODS de forma voluntária. A tendência é que aos poucos os investimentos na erradicação da pobreza também ganhem destaque nas organizações e a pandemia pode ter sido um propulsor para esses investimentos.

Ainda há fome

Viviene Bauer, sócia da BDO, responsável pelos serviços de auditoria e consultoria em sustentabilidade, considera que a questão da pobreza ficou mais latente com as cenas recentes que temos visto por conta da pandemia. “Divulgações recentes de entidades do terceiro setor mostram que tem mais de 100 milhões de pessoas no Brasil vivendo em situação de insegurança alimentar, não sabe se vai conseguir comer amanhã. Por outro lado, existe um desperdício absurdo de alimentos”, diz. “O que falta é uma maior comunicação com o poder público, entidade do terceiro setor e as empresas. Falta de política pública e incentivos por parte do governo. O compromisso do Brasil com a agenda 2030 está bem atrasado”, destaca a especialista. Ela comenta que no site da ODS Brasil atualização recente no primeiro semestre nos indicadores das ODS 93 que estão em análise e 58 que estão sem dados. É muito complicado estabelecer metas e política de verdade quando não tem as informações que precisa ter. “E a ODS 1, que trata da erradicação da pobreza, é aberta em metas e a primeira é exatamente criar um marco político sólido. Enquanto não tiver engajamento do governo de criar política pública que englobe todo mundo, fica em segundo plano”, afirma Viviene, ao ressaltar a importância das entidades do terceiro setor, que têm desenvolvido trabalho sério e fundamental para tentar diminuir a fome de milhares de pessoas.

Investidores de olho

O fato é que as empresas terão que, cada vez mais, olhar para as questões socioambientais se quiserem atrair investidores. Pesquisa realizada pela MSCI mostra que, com a pandemia da Covid 19, 77% dos investidores aumentaram seus investimentos em ESG de forma significativa. Além disso, estudo realizado pela Rede Brasil do Pacto Global da ONU e a Stilingue, plataforma de insights especializada em monitoramento de redes sociais com inteligência artificial, revela que o ganho de relevância do tema nos dois últimos anos pode ser constatado com o crescimento exponencial do uso da terminologia ESG nas redes sociais, sendo que só em 2020 foram realizadas 22 mil publicações sobre o assunto, seis vezes mais que em 2019.

De acordo com Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, o Brasil vivencia a ascensão do conceito ESG, com uma intensa mobilização do mercado, em parte, por conta da pandemia da covid 19. “Uma das consequências da crise causada pelo novo coronavírus foi o despertar da consciência de parcelas maiores da sociedade para questões ligadas à sustentabilidade. As empresas brasileiras aceleraram suas práticas sustentáveis em um movimento sem volta.”

Só nos primeiros dias de agosto, conforme dados da TrackInsight, o universo de ETFs se expandiu com 21 novos fundos, e metade dos lançamentos se concentram em investimentos em ESG, uma tendência que está florescendo este ano. Em uma base global, os ETFs que seguem uma abordagem ou tema de investimento sustentável continuam a quebrar novos recordes com US$ 325 bilhões em ativos e US$ 100 bilhões em entradas no acumulado do ano. Isso já supera os fluxos totais para ESG ETFs em 2020 de US$ 88,5 bilhões.

Para Viviene, o mundo passa por uma transformação. “Você reconhece seus problemas, coloca metas e incorpora isso nas suas estratégias e os investidores estão acompanhando e é cada vez mais corrente pedir explicações como que está trabalhando questões de diversidade, como está sendo tratado reúso de água, por exemplo.”

Aos poucos, o cenário vai mudando, consideram os especialistas, que ressaltam que é fundamental que cada um faça a sua parte em busca de um mundo ambiental e socialmente responsável.