Vacinação traz esperança, mas também desconfiança

A possibilidade de a vacinação contra o novo coronavírus começar no Brasil em breve e, aos poucos, a população já imunizada retomar parte da sua rotina tem causado entusiasmado. Afinal, os dez meses de pandemia, além de deixarem milhões de mortos no mundo (fora as sequelas em contaminados pelo vírus), causaram efeitos também na saúde mental, nas relações interpessoais, na educação e na economia.

Maria Carolina Pascoalino, 80 anos, professora aposentada que vive em Iracemápolis, no interior paulista, ficou sem sair de casa desde março, quando a pandemia foi decretada, até o final de dezembro, quando passou alguns dias na casa da filha e do genro, em São Paulo. “Antes a minha rotina era bem diferente. Fazia aulas de pilates, acupuntura, fisioterapia. Visitava as amigas ou simplesmente saía para passear. Tudo isso mudou de uma hora para outra e eu passei a ficar trancada dentro da minha casa com medo do vírus.”

Agora, a aposentada faz as contas até o dia da imunização. Por causa da idade, ela deverá fazer parte dos primeiros grupos do programa de vacinação. Pesquisa feita em dezembro, nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, pelo Instituto Informa, unidade de negócio da Bateiah Estratégia e Reputação, mostra que o comportamento de Carolina deve ser seguido pela maioria da população.

No caso de São Paulo (base de 562 entrevistados), 49,9% responderam que pretendem tomar a vacina contra o novo coronavírus assim que estiver disponível. No entanto, 39,4% dos paulistas afirmaram que não pretendem ter pressa. Primeiro querem esperar para ver se os primeiros da fila terão algum tipo de reação. Outros 10,7% declararam que não pretendem tomar a vacina.

Entre os fluminenses o quadro não é muito diferente. Do total de entrevistados (519), 47,9% afirmaram que pretendem ser vacinados contra o novo coronavírus tão logo o imunizante esteja aprovado. Mas 42,4% – portanto, um percentual mais alto do que o apontado entre os paulistas – disseram que primeiro vão esperar para ver se vão surgir reações nos vacinados. Ao todo, 9,7% garantiram que não vão procurar a proteção para evitar a doença.

“Não vou esperar nada, vou tomar a vacina. Acredito na ciência e na qualidade do trabalho dos pesquisadores, que infelizmente, mesmo depois de investigar tantas possibilidades, ainda sofrem com o descrédito de tanta gente”, diz a professora aposentada.

 

Pandemia de desinformação
Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Juarez Cunha explica que a rejeição à vacina vem sendo percebida nos últimos anos de forma mais acentuada, a ponto de ter entrado na lista de dez ameaças a serem combatidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019.

“Quanto mais desinformação, maior a insegurança e a falta de confiança da população. No caso da pandemia, imaginávamos que ao se falar tanto de vacinação isso serviria de estímulo, mas as fake news ainda conseguem ter um impacto muito grande”, avalia Cunha.

O especialista lembra que, quando uma vacina é aprovada pelo órgão regulador (no caso do Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa), sua segurança já foi demonstrada. Para Cunha, uma das formas de mudar essa rejeição seria o investimento em campanhas que reforçam a mensagem de eficácia e de segurança dos imunizantes. “Nem isso temos. Ao contrário, o que se vê é o estímulo para a não vacinação”.

Diretor superintendente de pesquisa da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Luiz Vicente Rizzo alerta para os riscos de não haver um controle da pandemia no Brasil. Além do crescimento do número de mortes, ele lembra do risco de o vírus sofrer mutações à medida que contamina mais pessoas. Isso poderia fazer com que, por exemplo, as atuais vacinas deixassem de ter a mesma eficácia sob essas novas condições, prolongando a pandemia. “Na mutação, a vacina deixa de ser útil e o vírus pode causar outros problemas ao infectar mais células do sistema imune.”

Dois pontos podem atrapalhar a reconstrução da reputação das vacinas entre os contrários a essa proteção. Um deles é a demora para se alcançar a proteção de rebanho, por conta da decisão de parte da população de esperar para ver se surge algum efeito adverso entre os que receberem os imunizantes. O outro está no risco de muitas pessoas tomarem apenas a primeira dose da vacina e comprometerem a sua eficácia.

A vida durante e após a vacinação
Rizzo é direto na avaliação. Ele lembra que quando se fala em 70% de eficácia de uma vacina é com a dosagem correta. Tomar apenas a primeira dose pode não ter efeito algum. Seria como ser orientado pelo médico a tratar a ação de uma bactéria com sete dias de antibiótico e parar o tratamento no terceiro dia. “Não adianta nada. O momento é muito crítico. As pessoas precisam entender que não têm responsabilidade apenas com o individual, mas com a humanidade.”

Carolina não sabe bem como será a vida depois da vacina. A situação ainda é “assustadora”. “Sei que não vou poder dizer ‘oba, agora estou protegida’. Isso vai levar um tempo e vai depender da velocidade da imunização. Hoje, ainda acho assustador pensar em sair de casa.”

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações reforça a cautela de Carolina. “Tomar a vacina não quer dizer que não tenha de continuar se cuidando, usando máscara. A eficácia dessas e de todas as vacinas não é de 100%, por isso todos devem continuar a se cuidar mesmo depois da imunização.”