Quando há uma crise sanitária, como a pandemia de covid-19, logo se imagina um aumento da demanda em todo o sistema de saúde – seja público ou privado. De fato, essa procura existiu, principalmente quando se trata da suspeita da doença, que se aproxima de 16 milhões de casos e 440 mil mortes no Brasil.

Um estudo do Instituto Informa, unidade de negócio da Bateiah Estratégia e Reputação, aponta que a maioria dos paulistas e fluminenses conhecem alguém que foi infectado pelo novo coronavírus – 73,1% em São Paulo e 84,9% no Rio de Janeiro. Mas, e na cobertura de outras especialidades, será que o movimento seguiu o mesmo?

O consultor Éber Feltrim, CEO da SIS Consultoria, empresa especializada no mercado da saúde, viu um cenário diferente. “Tivemos uma demanda de uma doença nova, porém em uma situação específica. Assim, a atividade de clínicas e consultórios privados não aqueceu.”

O principal motivo, de acordo com Feltrim, foi o medo dos pacientes em se contaminar com a covid-19 – ao Instituto Informa, ao menos seis em cada dez entrevistados disseram ter este sentimento agravado durante o ano. “Então essa procura diminuiu, já que o público buscou menos por atendimento principalmente em procedimentos eletivos ou estéticos. Não zerou, mas houve uma retração.”

Outro fator que pesou para o consumidor foi o dinheiro. O mercado de trabalho sentiu a crise econômica em 2020, o que elevou o desemprego a 19,5% entre fluminenses e 14,9% entre paulistas, ainda segundo o Instituto Informa. Muitas dessas pessoas tinham acesso a serviços particulares de saúde graças aos planos oferecidos como benefício. “Quem tem plano de saúde tem, em teoria, só o medo. Na área privada, sem o plano, ele tem medo e não tem dinheiro. A partir do momento que precisou desembolsar o tratamento, ele deixou de procurá-lo”, explica o consultor.

Com isso, ao contrário de outras áreas que paralisaram suas atividades, como comércio e serviços, o ramo da saúde até pôde permanecer aberto, mas também viu seu faturamento cair. “A empresa que não tinha um caixa protegido, uma gordura financeira, sofreu. Não vimos tantas clínicas fechando, mas parte delas está em condição apertada por conta de uma má estratégia de gestão. Isso acontece porque a equipe foca apenas em seu negócio principal, que é o diagnóstico e tratamento, e esquece a administração.”

O digital na saúde: transformação imposta

A diminuição do movimento acendeu um alerta em toda a área da saúde – afinal, em diversos casos, o pronto atendimento é essencial para evitar complicações. Uma das soluções encontradas foi a telemedicina, autorizada em abril do ano passado pela lei 13.989, que prevê seu uso em caráter emergencial, enquanto durar a crise sanitária.
“No começo, houve uma resistência grande por parte dos profissionais de saúde, talvez por causa do hábito da atuação presencial, essa dinâmica que sempre acontecia”, explica Éber Feltrim. “Só que quando o mercado começa a te pressionar, ou você se adapta ou perde seu público, que não apenas gostou desse modelo, como passou a preferi-lo em muitas situações.”

Mais de um ano após os primeiros casos de covid-19 no País, o consultor vê a telemedicina como prática essencial ao negócio. “Eu entendo que a pandemia acelerou esse processo em décadas. Hoje, a consulta a distância é uma ferramenta fundamental, não dá para não ter. Não é apenas pelo medo, é pela praticidade do cliente, que já sente isso no e-commerce. E é só o começo, daqui a pouco teremos que avançar com outras coisas, como um chat online para o paciente tirar dúvidas ou agenda virtual para marcar seu próprio horário.”

A novidade, claro, não substitui todas as necessidades do atendimento presencial, como a realização de exames, mas pode servir para triagem, retornos e consultas em especialidades ligadas à saúde mental – de acordo com o Instituto Informa, 46% dos fluminenses e 20,7% dos paulistas sofreram algum mal-estar com a saúde mental em 2020, com destaque para ansiedade, estresse e depressão. “E tem a vantagem de não precisar mexer no preço da consulta, porque o custo operacional para o paciente diminuiu. Ele não precisa mais gastar com deslocamento, em estacionamento, não perde um dia de trabalho.”

O consultor em saúde afirma, por outro lado, que a pandemia expôs uma velha prática de documentação e arquivo físico na contramão do movimento de digitalização observado em outros setores. “Os prontuários, as fichas, as anotações, muita gente segue presa ao papel. Eu conheço muitas clínicas analógicas e elas estão rapidamente ficando para trás. Falta essa compreensão de que o digital é melhor que o impresso.”

Setor em recuperação

Desde o início do ano, o CEO da SIS Consultoria observou uma retomada na busca por atendimento em especialidades não relacionadas à covid-19. Segundo Feltrim, isso se justifica em parte pela sensação de frustração com a extensão da pandemia, mas também pelo cumprimento de protocolos de segurança, que vieram para ficar.

“Essas medidas impostas foram muito propagadas e chegaram aos clientes, que agora também exigem essa estrutura de segurança, de espaçamento, higienização dos ambientes, esterilização, álcool em gel e uso de máscara. Eu acredito que, mesmo superada a crise sanitária, o serviço de saúde terá que manter essa estrutura, até como um diferencial àquele que voltar à rota anterior.”

Em alguns casos, estratégias do próprio negócio colaboraram para instigar o retorno do público. “Tivemos casos de clínicas que passaram a fornecer procedimentos que não faziam antes, o que atraiu a atenção. Houve ainda casos de profissionais que reduziram a jornada de trabalho e apertaram a sua agenda, motivando o paciente a marcar uma consulta para não ter que esperar mais do que o desejado.”

Para Feltrim, o consumo de serviços de saúde seguirá em recuperação gradual a partir do avanço da vacinação contra a covid-19 e da recuperação econômica do País. “São coisas sob as quais não temos controle. Por isso, cabe ao nosso setor trabalhar em uma estrutura de atendimento clínico de qualidade, com horários e formas de pagamento alternativas. Já vemos países que não estão no ‘novo normal’, mas sim em um ‘normal novo’, que é aquilo que conhecíamos com algumas mudanças. E em algum momento, talvez a partir do ano que vem, teremos algo assim por aqui.”