A crise econômica desencadeada pela pandemia impactou em cheio o bolso dos brasileiros, que veem seus ganhos cada vez mais reduzidos. Que o diga a tosadora Luisa Almeida, 46 anos, moradora de Bangu, na zona oeste do Rio. Sem o emprego em um pet shop, que sucumbiu à crise, suas dívidas se acumularam nos últimos meses. “Vou pagando o aluguel e as contas com atraso, do jeito que dá. A situação tem sido muito difícil”, conta.

Com o avanço da segunda onda de covid-19, o agravamento da economia segue no mesmo ritmo acelerado. Assim como o endividamento das famílias. A percepção de que viver ficou mais caro se reflete em um levantamento do Instituto Renoma, unidade de pesquisa de opinião pública do Bateiah.com. O estudo foi feito em março, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, em bairros de alto e de baixo poder aquisitivo.

No Rio, a maioria dos 208 entrevistados, independentemente da classe social, percebeu redução na renda familiar. A sensação é maior entre as mulheres (65% contra 62% dos homens) e pessoas entre 30 e 39 anos (69,2%). Nos bairros considerados de renda baixa (Bangu, Realengo, Santa Cruz e Campo Grande), 62,3% sentiram a queda nos ganhos. Já nos bairros de alta renda (Leblon, Ipanema, Lagoa, Jardim Botânico e Gávea), 64,7% sofreram esse impacto.

Em São Paulo a dinâmica não tem sido diferente. Entre os paulistanos (205 entrevistados), a sensação de queda no poder aquisitivo também é maior entre as mulheres (72,6% contra 51,8% dos homens). A queda nos ganhos foi percebida por 67,6% dos moradores de bairros de renda alta e por 66% nos bairros de menor renda.

“A faixa etária que sentiu maior impacto é aquela que incorre em maiores gastos em função da dinâmica demográfica: filhos em idade escolar, em alguns casos auxiliando nos cuidados dos pais e mães, além de constituir importante parte das Pessoas Economicamente Ativas (PEA) que sentiu os dramáticos efeitos do desemprego”, explica a economista Vivian Almeida, professora do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibemec-RJ).


Cenário esperado

A parcela de famílias endividadas atingiu, em março, o segundo maior patamar em 11 anos, aponta a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A fatia de famílias endividadas ficou em 67,3%, acima de 66,7% em fevereiro e superior a de março de 2020 (66,2%). “Na minha família, só eu mantive meu emprego e renda. As contas não param de chegar e eu não consigo pagar”, diz o gari Antônio Mouro, 39 anos, morador da Rocinha, na zona sul carioca.

Para o economista Eduardo Amendola, professor da Universidade Estácio, o agravamento da situação econômica era um cenário esperado. “A despeito do cenário adverso imposto pelas restrições e a consequente redução da renda das famílias e empresas, o endividamento destes agentes se elevou, uma vez que as suas obrigações permaneceram em níveis pré-pandemia. As empresas têm planos de investimento de longo prazo e as famílias têm comportamento de consumo secular impondo um desequilíbrio no curto prazo.”

Ao longo da pandemia, a alta de preços foi generalizada. No caso dos alimentos, por exemplo, o aumento médio foi de 14%, e a gasolina, de 54% desde janeiro. Em março, o IPCA – índice oficial da inflação – acumulava alta de 6,10% nos últimos 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com isso, as famílias se viram com o poder de compra ainda menor.

A dentista Vanessa Rodrigues, 33, moradora do Catete, na zona sul, manteve seus ganhos, mas mudou os hábitos de consumo: “Reduzi o delivery e no mercado é só o essencial. Eu gastava R$ 400, a cada 15 dias. Agora, a conta sai por R$ 460, R$ 500. Ou a gente se desespera ou se aperta.”

Enfrentamento

Para o economista Eduardo Amendola, dentro deste contexto que impacta principalmente as famílias mais vulneráveis, é essencial que políticas afirmativas entrem em cena: “A continuidade do pagamento do auxílio emergencial é imprescindível para que estas famílias garantam um nível mínimo de consumo. Paralelamente, essa política fomenta os gastos, reconduzindo a economia a uma trajetória de crescimento. Logo, a proteção se dará não só aos mais vulneráveis, mas sim a todos agentes econômicos.”

Na visão de Vivian Almeida, o caminho possível para conter a crise é o conjunto de políticas de enfrentamento da pandemia. “O que inclui sobremaneira o aumento da vacinação, associado com os cuidados preventivos ao aumento de casos de covid-19 e a sinalização à população, aos investidores e ao mercado de que há essa condução e coordenação”, explica a economista. “Uma sinalização de um conjunto de decisões equivocadas pode potencializar o colapso e uma sinalização positiva pode auxiliar na recuperação”.

A retomada do mercado de trabalho, na avaliação da especialista, depende principalmente do ritmo de vacinação da população: “Certamente seguiremos com a taxa elevada de desemprego (próxima de 14%) até o final deste ano.”

Crescimento do empreendedorismo

As microempresas vêm se destacando na pandemia. Mais de 620 mil negócios foram abertos em 2020, segundo o Serviço de Apoio às Pequenas e Microempresas (Sebrae). “O crescimento do empreendedorismo em tempos de crise não é um fenômeno novo. É o que chamamos de empreendedorismo por necessidade. São homens e mulheres que abrem um negócio em busca de uma ocupação e fonte de renda em razão do desemprego, principalmente”, diz Carlos Melle, presidente do Sebrae.
As atividades de serviço e de comércio são as mais procuradas. “A razão desse comportamento é bastante simples: para essas atividades, o empreendedor tem um investimento inicial menor que em outros segmentos.”

Segundo o Ministério da Economia, o microempreendedor individual (MEI) representa hoje 56,7% das empresas em atividade no País.