Lembra daquela sensação, há pouco mais de um ano, de que a pandemia levaria apenas alguns meses para terminar? Ou de pensar que a covid-19 estava longe de nos atingir, quando o infectado era o “conhecido do amigo” ou “o tal famoso da televisão”?
O resto de 2020, já sabemos, provou um outro cenário. Segundo pesquisa do Instituto Informa, unidade de negócio da Bateiah Estratégia e Reputação, no mês de dezembro, 84,9% dos fluminenses e 73,1% dos paulistas conheciam alguém que testou positivo para a doença – na época, eram 7,7 milhões de casos confirmados; agora, passamos dos 14,5 milhões. E a emergência sanitária, que já levou 400 mil vidas no Brasil, provocou outras diversas crises, todas sem data para acabar.
Uma delas é a crise econômica. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta um desemprego de 14,2% no trimestre terminado em janeiro deste ano, o que equivale a 14,3 milhões de brasileiros. E pessoas com menor poder aquisitivo foram as mais afetadas: no Rio de Janeiro, de acordo com o Instituto Informa, 14,4% das pessoas que ganham até dois salários mínimos disseram ter ficado desempregadas; em São Paulo, foram 12,5% dos entrevistados na mesma faixa de renda.
Para muitas empresas, o objetivo era evitar prejuízos ou mesmo manter-se abertas – ainda assim, houve quem optasse por encerrar as operações no país, como Ford, Sony e Cabify. O momento foi de redução de gastos e, como manda o senso comum, o setor da comunicação – formado pelo marketing e publicidade – perdeu espaço nos orçamentos.
A decisão pode até fazer algum sentido, afinal, esta etapa é normalmente paralela ao negócio, distante da produção ou da prestação de serviços e constantemente terceirizada às agências especializadas. Mas, para o publicitário Fernando Duarte Silva, diretor de criação na AlmapBBDO, negligenciar a comunicação é uma atitude arriscada. “Perde-se a chance de construir alguma coisa que trará consequências positivas no longo prazo com o consumidor. Quem não faz isso, tende a ficar para trás. O relacionamento com o público estará mais distante e será necessário um processo de reaproximação.”
Propaganda que acolhe e entretém
No turbilhão de sentimentos do início da pandemia, o baque do fechamento de comércios, a interrupção do ensino presencial e os decretos de quarentenas pelo mundo afetaram o mercado publicitário com tudo. “Várias contas cortaram todo o tipo de comunicação. São empresas que deixaram de investir por entenderem que tinham problemas maiores pela frente, como as companhias aéreas, que estavam bloqueadas e não fazia sentido comunicar”, diz Silva.
O setor criativo também foi bastante afetado. O diretor conta que campanhas precisaram se adequar ao tom imposto pela crise sanitária. Sem ter como gravar comerciais com grandes equipes, as soluções partiram da originalidade e do uso de tecnologias do cotidiano, como os smartphones. “Vimos muita construção de marca, empresas se mostrando realmente próximas e tendo que ir além da comunicação com ações concretas, como produção de álcool gel, compra de respiradores, campanhas de conscientização… Essas atitudes ajudaram e pegaram bem.”
Nos meses seguintes, o tom de acolhimento passou a perder protagonismo. Com o noticiário pesado, as agências entenderam que a propaganda precisava entreter, ser um alívio em tempos de angústia. “A publicidade tentou retomar uma certa normalidade. No começo, tudo tinha um contexto de ‘fique em casa’, beirava esse mundo que estamos vivendo e que é correto de se comunicar. Mas entendemos que não precisamos adereçar sempre a pandemia. Para vender ‘Doritos Wasabi’, por exemplo, precisamos falar de Japão, sabor e ardência de um jeito divertido e interessante”, explica o publicitário, que também aponta como positivas as campanhas que buscam mensagens de superação.
As estratégias do entretenimento e da esperança encontram recepção do público, que se prendeu mais ao lazer para escapar, mesmo que brevemente, da realidade. O Instituto Renoma, unidade de negócio da Bateiah Estratégia e Reputação, aponta que seis em cada 10 pessoas se dedicaram mais a assistir filmes e séries de TV nos estados de São Paulo e no Rio de Janeiro.
O que poderia ser “alienação”, mas atua para equilibrar a saúde mental em um momento delicado, reflete o medo da doença, que cresceu em mais de 60% entre paulistas e fluminenses, segundo o Instituto Informa. E pode ajudar, inclusive, a aliviar a ansiedade, sentida por quase 40% dos entrevistados nos dois estados.
Conexão que reverte
Como em muitas empresas, publicitários de grandes agências deixaram os escritórios para trabalhar de suas casas. A experiência, segundo Fernando Duarte Silva, fez mudar a visão sobre como se comunicar com o público. “Muito se fala de modernização de processos, mas foi necessária uma pandemia para realmente digitalizar e realizar revoluções básicas ou complexas. Ao mudar a forma de trabalhar, muda o jeito que temos que impactar o consumidor.”
O cenário atual, conta o diretor de criação, expôs um imediatismo exacerbado, que inspirou novas formas de contato. Um exemplo é o QR Code, que estava em baixa, mas foi adotado pelas marcas para levar rapidamente um potencial cliente a uma loja virtual ou página de campanha de um produto. “É sobre conversar com as necessidades imediatas. Vemos isso no Big Brother Brasil. Os anunciantes do programa, que precisam de coragem para pagar um pacote nada barato, têm picos gigantescos de acessos e compras pelo público, em nível do nível do iFood apresentar problemas com a quantidade de pessoas atrás de um lanche do McDonalds durante a festa da marca.”
Há também uma atenção maior nos cuidados para passar uma mensagem dentro da publicidade. “Precisamos sempre ter essa balança para medir o quanto podemos falar contra o que o cliente faz de concreto. Se uma marca diz “fique em casa”, mas está investindo em coisas que sugerem o contrário, há uma dicotomia estranha. Hoje em dia, a internet permite que se descubra tudo isso. Não se pode ser dono de um assunto que não se domina, e isso se estende para além da pandemia, como propagandas que falam com o público LGBTQIA+”, explica Silva.
Após mais de um ano de pandemia, o publicitário acredita que as marcas entenderam a importância da comunicação em tempos de crise – tanto que sua agência trabalha em ritmo mais acelerado do que em anos anteriores. “Há um poder na internet e mais opções de como levar os produtos para o público. A relação mudou e a produção mudou junto, tudo é mais dinâmico, mais responsivo. E, sabendo que tudo pode mudar a qualquer momento, a tendência é que se produza em mais volume pensando no agora. Essa agilidade e imediatismo devem continuar daqui para frente.”