Ambiente digital pode potencializar exposição acidental a conteúdos políticos

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Pesquisa apresenta modelo dinâmico em que os fluxos informacionais ampliam as chances de a audiência receber conteúdos que não estava interessada

A transição do ambiente de comunicação broadcast (pré-internet) para o ambiente digital estimulou, nas últimas duas décadas, uma série de pesquisas interessadas em compreender como essa mudança tem impactado o consumo de informação política.

O tema é instigante porque o consumo de informação política é afetado pelo grau de interesse por política. Quanto maior o interesse, maiores são as chances de ocorrer a “exposição seletiva” de uma pessoa às fontes e conteúdos de sua preferência. Mas talvez mais importante que a exposição seletiva seja o fenômeno da “exposição acidental”, aquele conteúdo que a audiência não esperava receber.

No modelo pré-internet, a pessoa com baixo ou nenhum interesse por política, normalmente a grande maioria, poderia ser exposta a uma notícia no telejornal sobre as dificuldades do governo para aprovar o orçamento, mesmo que desejasse apenas saber como tinha sido o desempenho do seu time de futebol. Nesse modelo, havia alguma chance da audiência saber o que estava acontecendo no processo de aprovação do orçamento, mesmo sem interesse por temas políticos. Esse é o conceito de exposição acidental.

Interesse e exposição ao noticiário, contudo, têm relação também com infraestrutura da comunicação. Markus Prior foi um dos primeiros a chamar a atenção para uma mudança que estava em curso nos Estados Unidos ainda nos anos 80/90.

Prior analisou a diversificação de canais da televisão a cabo naquele país e os impactos da segmentação dos canais de informação e entretenimento. Esse modelo tendia a ampliar o gap entre cidadãos interessados em assuntos políticos, que acompanhavam mais os canais de informação, e aqueles que não tinham qualquer interesse e que acompanhavam mais os canais de entretenimento.

O problema apontado por Prior ganhou outra dimensão no ambiente digital. Nesse modelo, houve uma amplificação de fontes de informação e a audiência passou também a exercer um papel mais ativo na produção e disseminação de conteúdo. A hiper-fragmentação e a hiper-segmentação sugeririam um impacto menos significativo da exposição às informações. Agora escolhemos os canais que queremos seguir, limitando as informações que não temos interesse.

Seria então o fim da exposição acidental de informações?

Apesar das mudanças no ambiente da comunicação, pesquisadores têm encontrado evidências de que a exposição acidental não desapareceu. Embora isso seja verdade, faltava um modelo explicativo que ajudasse a decifrar como o ambiente hiper-fragmentado e hiper-segmentado também poderia conviver com a hipótese da exposição acidental.

Recentemente, Brian Weeks (Universidade de Michigan) e Daniel Lane (Universidade da Califórnia) deram um passo nessa direção. No artigo, “The ecology of incindental exposure to news in digital media environments”, os autores apresentam um modelo multidimensional e dinâmico, em que fatores individuais e do ambiente da comunicação operam simultaneamente ampliando as chances da exposição acidental.

Weeks e Lane argumentam que, no ambiente digital, não faz sentido pensar a exposição acidental como um modelo linear, qual seja, numa relação direta entre fonte e audiência, em casos episódicos ou simplesmente a partir de motivações pessoais. Para eles, a melhor forma de analisar a exposição acidental hoje é pensar a partir de “fluxos de informação”. É o caso, por exemplo, de alguém que está navegando no Facebook e é exposto a uma notícia apresentada por um amigo. Essa exposição é, segundo ele, resultado de uma complexa rede de curadoria, e a melhor forma de entender isso é a partir da ideia de fluxos de informação.

“O estudo da exposição acidental na mídia digital deve se afastar de uma compreensão episódica da exposição a mensagens discretas, em direção a uma conceitualização mais complexa da exposição de informações dentro de fluxos selecionados [por curadorias]”, defendem os autores.

Segundo Weeks e Lane, o modelo ecológico da exposição acidental em ambiente digital é composto por seis fatores, divididos por características menos estáveis e sujeitas a mudanças em função do contexto (à direita, na imagem); e aquelas relativas a características individuais (à esquerda, na imagem), nesse caso, mais estáveis e menos dependentes do contexto, como pontuam.

Fatores individuais

 

  • Nível cognitivo: Esse primeiro fator se refere à habilidade cognitiva individual para processar informações e o conhecimento prévio que a pessoa tem sobre o conteúdo da notícia. Os fatores individuais (à esquerda) incluem uma relativa estabilidade cognitiva, inclusive em relação à habilidade com a tecnologia. Já a habilidade à direita está mais associada ao conhecimento prévio de um tema político que pode mudar conforme o contexto.
  • Demográfico/Identidade: Fatores como faixa etária, gênero, educação podem influenciar as chances de as pessoas estarem ou não expostas a conteúdo acidental. Da mesma forma, identidades sociais, religião, preferência política e ideologia também afetam essa exposição porque as pessoas tendem a focar, se engajar ou prestarem atenção em conteúdos que refletem suas identidades.
  • Percepção do ambiente informativo: O quanto o cidadão percebe que poderá encontrar informações no ambiente digital amplia a chance de ele estar exposto ao conteúdo acidental através da sua rede de contatos e fontes preferidas. É nesse sentido que o cidadão poderá também estar exposto e receber informações sobre eventos inesperados ou urgentes veiculados nas redes.
  • Motivação: Em regra, a motivação orienta a pessoa a reconhecer, entender, avaliar e engajar-se nos conteúdos que ela encontra. A exposição acidental, nesse caso, ocorre quando uma pessoa com baixa motivação para buscar informações ou baixa motivação em um contexto particular recebe um conteúdo compartilhado não esperado. Nas mídias sociais, portanto, os mais interessados em conteúdo político têm maior probabilidade de encontrar conteúdo acidental. Do mesmo modo, aqueles que usam as redes apenas por motivos sociais poderão esbarrar em conteúdo acidental, ler e engajar-se no tema. Para os autores, as redes sociais criaram condições únicas para que os cidadãos com baixo interesse em política sejam os mais beneficiados pela exposição acidental.

 

Fatores do ambiente da comunicação

  • Rede social: A rede social online joga um papel significativo na exposição acidental porque ela potencializa a participação de líderes de opinião e atores que podem ampliar a visibilidade de opiniões e conteúdos informativos. Nesse sentido, indivíduos que participam de redes sociais diversas tendem a estar mais sujeitos a exposições acidentais. Fatores contextuais, por sua vez, podem influenciar a exposição acidental. Entre esses fatores, Weeks e Lane mencionam “quem compartilhou”, “a fonte da notícia”, “o tópico da notícia” e “os indicadores de métricas” podem contribuir para um maior ou menor envolvimento da pessoa com o conteúdo acidental.
  • Sistema midiático: As características do sistema de mídia potencializam ou não a produção, distribuição e consumo de informações. Nesse sentido, a infraestrutura tecnológica possibilita ou limita a distribuição de informações. As mídias sociais e seus algoritmos podem determinar o volume e o tipo de informação política acidental que estará disponível para os usuários. Por outro lado, aspectos culturais também influenciam, como as normas jornalísticas, os ciclos da notícia e o interesse por determinados temas em detrimento de outros.

Embora seja um modelo teórico que necessita ainda ser testado e validado pela comunidade científica, a proposta de Weeks e Lane joga luz sobre uma série de aspectos do ambiente informacional digital. Quase todos eles já eram conhecidos, mas talvez esta seja a primeira vez que são considerados em um único modelo explicativo.

A proposta, portanto, tem o mérito de estimular pesquisas empíricas que levem em consideração essas variáveis e, principalmente, que atentem para o fato de que a “exposição seletiva”, embora seja uma realidade presente nas redes, não eliminou a chance de ocorrer a “exposição acidental”. Nesse sentido, a noção da exposição acidental a partir de fluxos informativos é uma ideia interessante para pensarmos os efeitos dos conteúdos políticos nas redes. Não apenas efeitos de reforço de atitudes políticas, mas também de ativação e mudanças de atitudes.

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