NOTA INTRODUTÓRIA
Esse é o terceiro policy brief de uma série que retratará a pesquisa nacional do Instituto Informa sobre bem-estar realizada com internautas brasileiros. O método foi aplicado com rigor científico tanto no controle de cotas representativas da população adulta quanto na qualidade de execução. Foram realizadas 1.020 entrevistas entre os dias 21 e 31 de janeiro de 2025. Além de questões de nosso interesse, aplicamos questionário da metodologia WHOQDL (BREF) – instrumento de avaliação de qualidade de vida mundialmente reconhecido.
O FENÔMENO
O ponto de partida da presente análise é o resultado geral da questão retratada pelo primeiro policy brief: percepção de bem-estar do brasileiro. A avaliação dos entrevistados sobre a própria qualidade de vida em três categorias: satisfeitos – 24,7%; indiferentes – 60,2%; e, insatisfeitos – 15,1%.
Diante dessa informação, podemos minimamente concluir que o brasileiro tem expectativas de soluções para a vida cotidiana, para a melhoria da qualidade de vida. Os discursos correntes acerca dessa busca são variados. Promessas da publicidade mágica de produtos e serviços, o proselitismo religioso de muitas denominações neopentecostais, jogatinas online que ceifam as minguadas sobras de renda da subsistência familiar, “hipnoses” coletivas promovidas por coaches em suas promessas neoliberais, políticos que criam mais esperanças do que soluções. Os “indiferentes” quanto ao bem-estar podem representar desesperançosos, deprimidos, disfóricos, decepcionados – muitos dos quais buscaram por soluções e não encontraram. Investigamos na pesquisa vários aspectos que possam explicar o fenômeno “bem-estar”. Para a presente análise, dedicaremos atenção à relação do tema com o conceito de democracia.
Sondamos dos brasileiros uma possível associação direta entre bem-estar e democracia. Apresentamos a seguinte frase e inquirimos o grau de concordância dos respondentes: “Democracia é ter direito a votar em um representante político que promoverá qualidade de vida para os brasileiros.”. Os resultados foram os seguintes: concordam – 78,4%; nem concordam nem discordam – 10,2%; discordam – 10,3%; e, não souberam responder – 1%. Em uma primeira visada, não restam dúvidas que voto e resultado da performance dos eleitos formam elementos definidores da expectativa com a democracia. Para o brasileiro, democracia, antes de apenas representar a eleição de um tirano (que faça apenas sua própria vontade), refere-se à condução de quem produzirá o melhor para os votantes!
Não são poucos os conceitos de democracia. A partir dos clássicos, temos enorme repertório conceitual: de Platão vem a ideia do regime de “excessiva liberdade”; Aristóteles descreve o governo do bem comum, com riscos do protagonismo da maioria sem justiça; Rousseau nos trouxe o “Contrato Social”, em que a democracia se apresenta como regime da soberania popular; Montesquieu, em O Espírito das Leis, define o conceito como governo do povo – destacando os riscos da liberdade se transformar em anarquia; Schumpeter, em sua visão elitista (que certamente muitos concordam, ainda que na surdina), define democracia enquanto método competitivo de líderes políticos para governar pelo voto popular. São muitos os conceitos, incluindo alguns mais recentes. Mas voltemos ao nosso tema.
O que se apresenta em tela como fenômeno é o grau de concordância do brasileiro sobre a provocação que fizemos acerca do conceito de democracia. Não estamos afirmando que os brasileiros tenham na ponta da língua esse conceito. O fenômeno aqui examinado é o da concordância com o conceito apresentado. Para a inferência, fizemos em nossa provocação uma junção de ideias que emergem fragmentadas em muitas discussões de grupo que conduzimos em todo Brasil. Vejamos o encadeamento lógico retirado de nossas sondagens exploratórias: 1) o brasileiro associa facilmente democracia e voto; e, 2) o eleitor espera que o eleito melhore suas condições de vida. A questão apresentada une essas duas afirmações – e o brasileiro concorda muito com ela.
Caro leitor, exposto dessa forma parece tudo resolvido facilmente. Ou poderíamos estar diante de uma retumbante ingenuidade desse que vos escreve. Vamos tentar resolver essas más impressões – não obstante o grande desafio que é o exame do complexo conceito de bem-estar. A questão apresentada faz referência à entrega de “qualidade de vida para os brasileiros”. Temos diante de nós a concordância com um conceito que é, por essência, relativo e complexo. Cada concordante teve em mente uma perspectiva sobre o que é “qualidade de vida”, o que significa bem-estar. Quem sabe podemos ampliar um pouco a visada sobre o conceito apresentado?
Conforme concordância dos brasileiros, democracia é ter direito a votar em um representante político (vitorioso ou derrotado), em que o eleito promoverá qualidade de vida para (todos) os brasileiros indistintamente, na medida da expectativa de cada cidadão. A missão do eleito, para ser considerado democrático, seria, então, atender indistintamente as expectativas de bem-estar de cada eleitor – sem perder de vista que as perspectivas são relativas a cada respondente. Uma dose de tranquilidade diante do conceito: o universo de eleitores pode ser organizado em clusters de necessidades comuns (como devem ser estruturadas as pesquisas). Assim, a promoção de bem-estar para grupos de interesses comuns, seria a missão do eleito democrático.
Buscaremos a seguir padrões que possam trazer à luz reflexões abeira da relação entre democracia e bem-estar.
TRAÇOS E PADRÕES
O grau de concordância sobre o conceito de democracia tem certa uniformidade entre os perfis de respondentes. Apenas três perfis apresentam destaques na diferença no grau de concordância: com valor menor que a média – renda familiar acima de dez salários mínimos (71%); e, com valor maior que a média – católicos praticantes (84%) e moradores do Nordeste (84%).
Para o exame das diferenças, levaremos em consideração o fator renda familiar. Não custa lembrar a você novamente que a análise completa sobre a relação do brasileiro com o bem-estar será lançada em breve. Como salientado, aplicamos a avaliação do bem-estar com o método WHOQDL (BREF). O método é estruturado em dimensões ou domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio ambiente (aspectos da vida cotidiana).
Iniciamos a exposição dos argumentos pelo domínio “Relações Sociais”. No que se refere a renda familiar, os atributos que compõem essa dimensão não apresentam diferença. A convivência social cotidiana, regida por semelhanças impostas por questões culturais, religiosas, econômicas etc., apresenta características próprias de cada grupo social. Assim, o sujeito que valoriza uma reunião de confraria em um clube de golfe pode ter a satisfação em igual nível a de outro sujeito que se encontra com amigos em uma mesa de bar na periferia. A relação social em si, com ressalvas para situações de restrições de convivência de toda sorte, é parametrizada pelas condições de necessidades comuns.
Quanto ao domínio físico, aspectos como dor/desconforto, dependência de medicação e qualidade do sono, encontramos níveis de satisfação semelhante nos extremos de renda familiar. Já para os fatores energia para atividades cotidianas, mobilidade e capacidade de trabalho os graus de satisfação foram mais intensos nos respondentes de maior renda. A diferença aqui também é explicada pelo nível financeiro: a energia, por exemplo, pode ser consumida em trabalhos que dependam de esforço físico, mais associado ao labor dos mais pobres.
No domínio psicológico, o público com menor renda se diferencia em dois aspectos: autoestima e sentimentos positivos. Mas é no domínio do ambiente cotidiano que os fatores de diferenciação quanto à renda familiar mais aparecem. Aspectos com menor satisfação entre pessoas com menor renda familiar: segurança física, ambiente físico, recursos financeiros, oportunidades para novas informações, lazer, ambiente do lar, cuidados com a saúde. São fatores que variam conforme a renda familiar.
Ora, ao consideramos esses aspectos da vida, temos nos números indicativos sobre o que cada perfil populacional entende como “um representante político que promoverá qualidade de vida para os brasileiros”. A construção discursiva do pedido de voto, bem como os variados vetores de produção de sentido, e o plano governamental do eleito devem contemplar as diferenças de expectativas. A proposição não deve ser uniforme!
TENDÊNCIAS
O que temos diante de nós? 1) A concordância do brasileiro sobre a democracia enquanto, de um lado, direito ao voto, e, de outro, um eleito que promova o bem-estar; e, 2) variações sobre a percepção de bem-estar a depender do perfil do eleitor. A uniformidade é conceitual (bem-estar), a aplicação do conceito é regida por diferenças. Essa dicotomia é central para um bom trabalho de planejamento na comunicação e gestão governamental.
Aos que apregoam a polarização pura e simples no Brasil sem analisar esses aspectos fazem apenas apostas. É preciso entender as zonas de tolerância do brasileiro no que se refere a diversos aspectos da vida cotidiana. A democracia enquanto atendimento do bem-estar dos brasileiros apresenta-se como um dos aspectos mais complexos de nossa vida política. Resultados projetados de 2026? Apenas com os apostadores! Tendência que auxilia na generalidade do fenômeno democracia e bem-estar? Olhar atento sem dogmas, visada metodológica sistemática com atenção ao contexto social.