Quem ‘vamos’ pagar a conta?

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N ima_34.08.2021

O alívio que sentimos ao ver os números de vacinados crescendo pelo Brasil, sem dúvida, vem (bem) acompanhado de esperanças de diversos calibres e em várias áreas da vida. Mas não dá para pular a parte de que se já havia crise na economia antes da pandemia pelo novo coronavírus, com todas as mudanças impostas desde março de 2020, qualquer chance de melhora ficou mais distante. Comércios, indústrias e outras fontes de emprego minguaram na mesma proporção que o número de desempregados subiu, o que levou a renda dos brasileiros a ficar mais baixa se comparadas ao período anterior à pandemia.

Esta realidade é desenhada de forma mais clara em pesquisa feita pelo Instituto Informa, unidade de negócio da Bateiah Estratégia e Reputação. Realizada entre os dias 8 e 27 de julho, com 1.455 pessoas entrevistadas, os números mostram que 78,5% acreditam que o cenário financeiro piorou, se comparado a antes da pandemia, e 36,5% acham que piorou muito. Reinaldo Domingos, PHD em Educação Financeira e Presidente da Abefin (Associação Brasileira de Educadores Financeiros), diz que esta já era uma situação prevista, se analisado todo histórico econômico do brasileiro, que já passou por algumas crises e nunca foi educado financeiramente para saber como lidar com elas.

“Muitas empresas quebraram, fecharam, inúmeras pessoas perderam seus empregos, reduziram os salários e aí teve de entrar o governo, com auxílio emergencial, para poder fazer jus a toda essa ausência de sustentabilidade financeira. Quando mencionamos isso, estamos falando de uma reserva financeira. Se você perguntar para o brasileiro quanto tempo ele manteria o seu atual padrão de vida se não tivesse o recurso recorrente, a situação não passaria de três meses. E com o advento da crise financeira aumentou este problema, tanto que se antes da pandemia a inadimplência era de R$ 60 bilhões, hoje já passa de R$ 80 bilhões”, analisa o especialista.

Foi o que aconteceu com o celebrante social e comunicador multimídia Leonardo Dias Pereira, 37 anos. Se antes da pandemia fazia eventos esportivos e culturais, casamentos e trabalhava com formação de professores, depois de março do ano passado viu seu rendimento despencar a quase a zero. “A única coisa que me restou foram os casamentos, porém fiquei meses totalmente parado e com uma queda enorme de recursos, porque muita gente desistiu, adiou, e o que tinha para receber foi parcelado. Ficou um buraco na minha conta, o banco me liga todo dia, foi muito cruel.”

Como muitos, Leonardo contraiu dívidas com cheque especial, esperando que os eventos fossem retomados brevemente, o que não aconteceu. “As coisas começaram a ser retomadas no ano passado, parecia que tudo ia voltar ao normal. Fechei alguns contratos, mas em janeiro veio a segunda onda. Ai pronto. Fiquei sem nada de novo.” O comunicador estima que deve hoje cerca de R$ 30 mil e que, se conseguir retomar seu trabalho, levará pelo menos três anos para sanar o rombo financeiro.

 

 

 

 

O peso da escassez

A situação relatada por Leonardo é comum entre os homens ouvidos pelo Instituto. Do total de entrevistados, 83,3% disseram ter maior percepção da queda de renda. Domingos atribui este número ao fato de que os homens, além de muitos ainda serem responsáveis financeiramente pelos rendimentos da família, também costumam ter volume de compra maior. “A mulher já tem uma questão de manutenção da casa, então tem o ritmo de gastos contínuo, organizado. Quando ela teve de ficar em casa, continuou fazendo este trabalho [de regulação do dinheiro] o que ajudou a driblar em partes o problema.”

Os que mais sentiram o impacto da queda do poder aquisitivo também foram as pessoas entre 40 e 49 anos – 82% – e os brasileiros com menor renda, ou seja, que ganham até dois salários mínimos, 87,7%. No caso etário, o analista financeiro acredita que esta faixa de profissional se viu um pouco sem rumo, pois não estavam tão habituados com a tecnologia, que foi tão importante neste período pandêmico. “A dificuldade foi maior para estas pessoas do que para os jovens de 20, 25 anos. Então existiu uma substituição dos profissionais que não estavam adaptados ao mundo digital pelos que têm bom desempenho nisso.” Quem não se adaptou ao mercado, passou a integrar, portanto, o grupo de 14,805 milhões de desempregados do País.

Já em relação à queda de poder aquisitivo daqueles que ganham até dois salários mínimos, Domingos atribui ao fato de que quanto menos se recebe, menor a possibilidade de conseguir crédito no mercado. “Quem ganha mais, também tem mais extensão de crédito, o que possibilita o uso do cheque especial, cartões de créditos, linhas de empréstimo, o que lhe dá mais condições. Para quem tem mais volume de ganho, sem dúvida, o impacto não é tão grande. Mas isso não representa uma equação que aqui, pois quem buscou mais crédito, terá que pagar mais tarde. A cauda deste crédito é maior, a tendência é que lá na frente quem ganha um pouco melhor e se endividou também sofra.” É a chamada bola de neve.

Malas guardadas

Um dos setores mais afetados pela pandemia no Brasil foi o turismo. Com a regra do isolamento social, o ir e vir ficou proibido, o que levou a muitos hotéis, pousadas e até companhias aéreas a sofrerem baixa de renda histórica. Isso afetou diretamente os estados que mais dependem dos turistas, como os que estão na região nordeste, por exemplo. Tanto que, na pesquisa, os moradores destes locais foram os que mais reclamaram da queda de poder aquisitivo: 85,8%.

Mas não foi só lá que a corda estourou. Ana Carolina Moro, turismóloga de São Paulo, perdeu o emprego no início deste ano. Trabalhava em uma agência que fazia pacotes de viagem corporativos, setor que também viu os clientes minguarem. “Em março do ano passado passamos a trabalhar meio período em home office. Consecutivamente o salário também caiu pela metade. Fiquei, por um tempo, em licença não-remunerada e quando voltei a trabalhar, este ano, fui demitida. Nem os meus direitos recebi ainda.” Neste meio-tempo, para equilibrar as contas, vendeu produtos naturais, contou com a ajuda de familiares e teve de cortar tudo que era considerado supérfluo. “E hoje procuro trabalho para fazer em casa, porque ainda corro o risco de ir para um trabalho presencial e transmitir o coronavírus para o meu filho, que tem alergia a antibióticos. Preciso prezar por ele.” Saúde em primeiro lugar.

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