A divulgação do PIB para o primeiro trimestre de 2024 reforça a existência de um fenômeno que já vem sendo observado nos Estados Unidos. Enquanto os dados da economia são positivos, a percepção dos cidadãos tende a ser negativa sobre a economia e a avaliação do governo. Esse tipo de fenômeno foi classificado como “vibecession” pela escritora Kyla Scanlon.

 

O princípio é relativamente simples.

Três fatores interagem quando avaliamos a economia. O primeiro deles é como as pessoas esperam que as coisas sejam (expectativas); o segunda como as coisas deveriam ser (teoria); e, finalmente, como as coisas são verdadeiramente (realidade). O gap entre a realidade e as expectativas dos cidadãos traduziriam a “vibecession”. Isso seria explicado quando experiências negativas passadas passam a interferir e a influenciar as expectativas e as formas que interpretamos a realidade. Em resumo, algumas experiências muito marcantes tenderiam a persistir por mais tempo na memória do cidadão, dificultando uma leitura mais precisa do seu mundo mais recente. O clima recessivo estaria presente de uma maneira significativa, a ponto de limitar suas expectativas positivas (futuro), tal qual a sua percepção do presente.

 

“Se as pessoas passam por uma experiência (por exemplo, viver durante a recessão de 2008) e observam evidências (como o aumento exorbitante dos preços das casas), isso pode moldar algumas de suas expectativas – “uau, mais um evento sem precedentes para viver” – o que influencia sua percepção (as coisas estão ruins) e sua interpretação do futuro (as coisas continuarão ruins), e assim estruturar sua narrativa e percepção da realidade”, observa Scanlon.

Por essa perspectiva, os dados recentes do Brasil apontam na direção da ocorrência de uma “vibecession”. Pesquisas de opinião divulgadas recentemente indicam, por exemplo, que a maioria dos brasileiros consideram que a “política econômica está indo na direção errada”. A percepção sobre o Governo Federal, por sua vez, também registrou, nos últimos meses, queda da avaliação positiva e inflexão dos percentuais negativos. Em resumo, o momento é de um clima de opinião desfavorável para o Governo Lula.

 

Se direcionarmos nossas lentes para o universo digital, o fenômeno parece também persistente. Os brasileiros que participam das discussões online, segundo o monitoramento produzido pelo Instituto Informa, tendem a apresentar uma percepção negativa das ações do governo, mesmo quando a medida representa impacto positivo seja de forma direta ou indireta. Aparentemente, o cidadão online parece filtrar as informações sobre as ações do Governo por uma perspectiva quase sempre negativa. Voltarei a esse ponto no fim deste artigo.

O que dizem os dados da economia?

Segundo o IBGE, o PIB do país cresceu 0,8% no primeiro trimestre, ficando levemente acima das expectativas do mercado. O crescimento foi puxado, sobretudo, pelo setor de serviços, que teve uma alta de 1,4% no período. A agropecuária também cresceu, registrando variação positiva de 11,3%. A indústria, porém, apresentou leve queda de 0,1%.

Outros dados demonstram que a economia vem apresentando direção positiva. A taxa de desemprego do primeiro trimestre (7,9%), embora tenha ficado levemente acima do quarto trimestre de 2023, ficou abaixo do primeiro trimestre de 2023 (8,8%). Desde o ano passado, a taxa vem recuando, sinal de mercado aquecido.

A variação de preços também está sob controle. A inflação, segundo dados do Banco Central, segue dentro da meta que varia entre 1,5% a 4,5%. No último dado disponível, o IPCA ficou em 3,69% no acumulado de 12 meses. Desde o 2023, aliás, o IPCA vem apresentando queda.

Mas, afinal, o que está acontecendo?

Dados positivos na economia, mas uma percepção alta e crescente entre os brasileiros de que a economia vai mal e o Governo Federal, idem. Pela hipótese da “vibecession”, há provavelmente um clima negativo entre os brasileiros auxiliando a leitura da realidade. Mas não apenas isso. Esse clima estaria, inclusive, espalhado em diversos segmentos da sociedade, limitando a inflexão positiva da percepção sobre a economia.

 

Para que a hipótese da “vibecession” seja verdadeira, precisamos partir de dois pressupostos. O primeiro deles é que os índices econômicos estejam conseguindo  traduzir perfeitamente os ganhos para a sociedade, mesmo que, eventualmente, alguns setores não estejam usufruindo dos mesmos benefícios da economia como um todo. O segundo pressupostos é que exista alguma experiência negativa de médio ou curto prazo no campo da economia com poder de persistir na memória dos brasileiros, criando barreiras para suas perspectivas e leituras da realidade da economia. No horizonte de médio prazo, só conseguimos identificar os efeitos pós-pandemia. Muita gente sofreu com desemprego, perda de renda, além de milhares de empresas que fecharam as portas.

 

Efeitos negativos no campo político

Embora Kyla Scanlon considere na sua hipótese de “vibecession” fatores mais de ordem econômica, é provável que também eventos políticos de forte magnitude também afetem as predisposições dos cidadãos e, por consequência, suas expectativas e leituras sobre o mundo presente. Nesse sentido, gostaria de chamar a atenção para o que temos visto no nosso mapeamento do ambiente digital e que tem sido corroborado por pesquisas de opinião divulgadas recentemente, qual seja, a animosidade ainda presente entre os brasileiros mais engajados.

Se o fenômeno da “vibecession” estiver correto, o Governo Federal terá que fazer um esforço ainda maior para melhorar a percepção entre os brasileiros. A persistência de um clima de animosidade entre aqueles cidadãos mais participativos no ambiente digital indica a existência de um “não debate” que, muitas vezes, prevalece a “violência verbal” sobre todos os assuntos que envolvam o Governo Federal. Claramente, esse clima de animosidade, pelo que observamos, tem lastro com o resultado eleitoral de 2022. Prevalecem ainda muitos argumentos de que o resultado foi “injusto”, de que venceu  a “corrupção” e a “imoralidade” no trato da coisa pública.

Nesse ambiente, tem sido comum encontrar discursos críticos às decisões do Governo, em especial quanto à Reforma Tributária, preços de alimentos e promessas eleitorais não cumpridas. Os bons índices da economia, no monitoramento que realizamos, apresentam pouca proporção ou estão submersos em discussões de outras  temáticas, como a “moralidade”, “corrupção” e a “injustiça” do resultado eleitoral de 2022.

Um segundo ponto diretamente associado ao primeiro é a prevalência de influenciadores políticos com grande força de reverberar argumentos e enquadramentos negativos sobre as ações do Governo Federal. Muito do que é replicado nas redes tem como origem esses personagens, que hoje jogam um papel similar ao que, no período pré-internet, classificávamos como os “gatekeepers” da informação, ou seja, o jornalismo tradicional.

Enquanto no modelo tradicional, a confiança estava associada a um certo “contrato implícito” entre jornais e leitores, nas redes, esse “contrato” tem outra característica. As redes têm como dinâmica um modo de disseminação em que os conteúdos precisam ser relacionais. Nessa perspectiva, os participantes das redes consomem os conteúdos e os enquadramentos produzidos pelos influenciadores, personagens com grande visibilidade, porque esse material permite uma identificação com a minha percepção de mundo. Conteúdos relacionais são, portanto, uma chave para potencializar ainda mais o interesse em compartilhar os argumentos. O clima hostil ao Governo Federal tende a encontrar nessa dinâmica uma persistência maior, o que, muito provavelmente, pode estar ajudando a também produzir o fenômeno da “vibecession”.