A pandemia do novo coronavírus alterou diversos aspectos da vida cotidiana. Fez com que muitos se adequassem ao isolamento social e intensificou uma tendência no Estado do Rio: a migração de famílias da região metropolitana para a Região Serrana. “Percebi que, principalmente os sitiantes locais, então moradores da capital, vieram durante a pandemia e não querem mais voltar. São pessoas que buscam melhor qualidade de vida, como foi meu caso, há dois anos, e agora tentam se refugiar do contágio da covid-19”, avalia o psicoterapeuta corporal Marcelo Antunes, 50 anos, morador do Vale das Videiras, em Petrópolis.
Essa percepção por parte dos moradores locais é constatada em um levantamento do Instituto Informa, unidade de pesquisa de opinião pública do Bateiah.com. Foram entrevistadas 313 pessoas, no último dia 5 de março, nos três principais municípios da Serra fluminense: Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis.
Os dados mostram que boa parte dos residentes locais considera que a migração em meio à pandemia foi bastante significativa: 42,4%. A proporção é maior para Teresópolis, com 61,3%; seguido por Petrópolis, com 44,4% e Nova Friburgo, 24,7%.
Na avaliação de Bruno José Oliveira, especialista em políticas públicas e professor da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), essa tendência tem a ver com uma visão idílica sobre a Serra Fluminense: “Há o fato de as pessoas terem contato maior com a natureza e com uma série de recursos naturais que são associados também para o lazer, e assim se sentem mais protegidas. Enquanto na metrópole, como um todo, temos um cenário de problemas urbanos, como a violência e a saúde em colapso agora com a pandemia.”
Moradores locais estão divididos
A intensificação do êxodo urbano divide os moradores locais, como aponta a pesquisa. Para 57,9% a migração representa problemas e piora no bem-estar. Enquanto 42,1% veem esse fluxo de forma positiva, com possível desenvolvimento e melhorias para seu município.
“Essa divisão reflete muito a questão geracional, dos habitantes mais antigos que estabeleceram um modo de vida e tendem a ter uma visão mais desconfiada, quando não refratária a essa migração”, observa Oliveira. “De fato, são pessoas novas chegando, com outros hábitos e que vão buscar esse clima mais interiorano. Não deixa de ser uma forma de circulação do vírus, o que potencializa esse sentimento de autopreservação.”
O especialista ainda destaca o impacto econômico nessas regiões: “É um novo mercado consumidor sendo formado. Pessoas de fora, com outros hábitos e que vão demandar outros empreendimentos, o que ajuda a dinamizar a economia local, sobretudo nos distritos mais interioranos.”
‘Boom’ aquece mercado imobiliário
O “boom” de novos habitantes animou o mercado imobiliário local. É o que atesta o corretor de imóveis Marco Antonio Sorrentino, morador de Itaipava, distrito de Petrópolis: “O mercado está aproveitando a onda. A procura por imóveis triplicou neste período de pandemia, principalmente para locação de casas e de compra de terrenos. Em localidades mais rurais e afastadas dos centros comerciais, já são poucas as opções disponíveis.”
O profissional atribui o êxodo urbano ao fato de muitas empresas terem facilitado o trabalho remoto: “Até nas localidades mais isoladas a internet chegou forte. E são municípios de fácil acesso, a pouco mais de 100 km da metrópole.”
Para o psicoterapeuta Marcelo Antunes, o movimento migratório é positivo. “Eu, que não vivo de renda e não posso parar de trabalhar, considero bom esse fluxo”, diz. Em sua visão, as pessoas investem muito para viver longe da cidade e ter outro estilo de vida: “É preciso ter uma infraestrutura, o que só beneficia a região. Infelizmente, hoje vivemos um salve-se quem puder e só fica no Rio quem não tem mesmo como sair.”
Receio com fluxo maior
O maior fluxo de novas famílias vindas de fora e o avanço da covid-19 na Região Serrana têm sido motivo de preocupação para muitos moradores de distritos menores, como Lumiar, em Nova Friburgo. A psicóloga Maria Clara Adnet, 62 anos, é uma das que veem esse movimento com receio. “Muita gente nova e também turistas estão se mudando de mala e cuia, o que faz os preços de aluguel, de tudo, irem às alturas. Hoje, se você procurar casa para alugar aqui, que é uma zona rural, ambiental, não acha.”
Ela também percebeu um novo comportamento entre os residentes nativos. “Muitas pessoas pararam de plantar durante a pandemia para construir em suas terras casas para aluguel e viverem disso. Muitos nativos querem ver esse fluxo cada vez maior, porque traz dinheiro e conforto. Mas a insegurança, no geral, vem junto, ainda mais neste momento crítico.”
A educadora ambiental Carla Silva, 35, também moradora de Lumiar, se diz apreensiva com uma maior demanda nos serviços públicos: “Me preocupa a falta de capacidade do poder público em oferecer infraestrutura com esse aumento populacional na região. Desde a questão de resíduos, de abastecimento de água e do sistema de saúde.”
Maior demanda no sistema de saúde
Há 23 anos vivendo na Várzea, em Teresópolis, a professora Darciane Freitas, 59 anos, teme o aumento de contágio da covid-19: “Vivemos o pior momento da pandemia, mas chega sexta-feira e o movimento de veículos entrando na cidade fica intenso. Ver mais gente chegando e circulando nas ruas, muitas sem máscara, causa medo. São turistas e moradores novos que parecem buscar mais diversão do que se refugiar do caos urbano.”
Já o servidor público Jorge Nascimento, 45, também de Teresópolis, se diz favorável a essa migração. A preocupação é quanto a um desornamento ocupacional. “Tenho mais receio que, com uma subida em massa de pessoas de fora, haja mais ocupações irregulares em áreas ambientais ou inapropriadas. Espero que haja esse controle por parte das autoridades.”