Os ‘novos’ hábitos que vieram para ficar

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Com a vacinação contra a covid-19 avançando no Brasil, muito se fala dos planos para depois da pandemia – são viagens, eventos e compras que, seja pela instabilidade econômica ou para prevenir o avanço da doença, tiveram que ficar em espera. Ao mesmo tempo, hábitos adquiridos durante a crise sanitária vieram para ficar.
É o que mostra a pesquisa do Instituto Renoma, unidade de negócio da Bateiah Estratégia e Reputação, a partir de 1.455 entrevistas entre os dias 8 e 27 de julho. O estudo lista atividades incorporadas à rotina que são provenientes tanto das restrições da quarentena quanto do convívio familiar prolongado no período de isolamento social.
Para um a cada cinco entrevistados, o tempo dedicado à família foi fortalecido pela pandemia e deve ser mantido. É o caso do coordenador de Business Intelligence João Victor Vertullo, de 25 anos, cujas experiências com pais e irmã passam pela mesa. “Passamos a almoçar juntos todos os dias e é algo que provavelmente vamos seguir se continuarmos no home office. Também comecei a fazer pizzas com meu pai”, conta.

Reposicionando relacionamentos

O psicólogo Marcelo dos Santos, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que, até então, os hábitos tinham um caráter de continuidade dentro de padrões limitados ao trabalho e às tarefas pessoais. “Não é que o convívio com a família não existia, ele existia dentro de outro contexto, eram atividades até mesmo agendadas. A covid-19 impactou essa rotina, retirando a mobilidade social da interação com amigos ou colegas de trabalho. As pessoas se viram obrigadas a adquirir novos costumes, que no começo foram vistos como uma adequação.”
Uma vez que a pandemia se estendeu por mais tempo que o esperado – e segue sem data para acabar –, houve um desgaste nos relacionamentos. A pesquisa mostra, por exemplo, uma maior tendência a manter as atividades entre familiares acima dos 30 anos, enquanto entrevistados mais jovens priorizam outras formas de lazer. “Nem tudo é só alegria. A convivência constante traz questionamentos sobre qual a qualidade que as relações tinham, qual têm hoje e qual ainda terão. Muita gente vai manter uma convivência familiar melhor, mas estamos falando de programas para o fim de semana. Já outros esperam que o ‘novo normal’ venha logo, uma vez que a retomada contribui para a qualidade dessa relação”, diz dos Santos.

Mão na massa (e dedos nas telas)

A pesquisa do Instituto Renoma revela ainda um maior interesse em atividades que buscam desenvolvimento pessoal, como fazer comida em casa (11,7%). Foi assim com a médica veterinária Thais Cavenago, de 27 anos. “Era um costume que eu não tinha, quando queria comer algo diferente, ia procurar um restaurante”, conta. Agora, a gastronomia se tornou uma paixão. “Busquei me aperfeiçoar na cozinha, aprendi coisas que jamais pensei em fazer. Muitas coisas deram errado, outras deram super certo, mas era um costume que eu não tinha.”
Outros novos hábitos que se destacaram foram o de fazer cursos online (10%) e de se exercitar em casa (9,9%). Tarefas como essa, que normalmente contam com o auxílio presencial de profissionais, acabaram sendo acompanhadas de telas, com conteúdos explicativos gravados ou ao vivo. O psicólogo Marcelo dos Santos afirma que, apesar das vantagens da tecnologia, é preciso estar atento a uma “dependência excessiva”, consequência de um processo acelerado de digitalização. “Temos um lado positivo porque foi justamente esse progresso do mundo digital que nos possibilitou continuar com o mundo rodando, mas já havia um adoecimento antes da pandemia e, com o excesso, podemos ter até mesmo um agravamento dessas angústias.”
O profissional também avalia que a quarentena contribuiu para levantar questões sobre a falta de proximidade. “Passamos a nos perguntar se as relações vão ser sempre virtuais. Apesar da ausência que se sente hoje, quando as restrições diminuírem as pessoas terão contato de novo, mas esse mundo digital vai seguir nos acompanhando. Vamos precisar de um olhar mais coletivo.”

Confira o infográfico a seguir:

 

Preenchendo o tempo ou escapando da realidade?

Para além da comunicação e do aprendizado, as telas vêm cumprindo um papel importante no lazer. A pesquisa do Instituto Renoma mostra que 18% dos entrevistados começaram a assistir séries e filmes em casa e planejam seguir com este hábito.
Para a cuidadora Dilva Santana, de 61 anos, os programas foram uma solução prática para a mudança brusca de rotina. “Eu trabalho à noite e depois do trabalho geralmente fazia exercícios, participava de aulas. Quando parou tudo, passei a ficar em casa e comecei a acompanhar séries, por não serem longas e tratarem de temas diversos.”
O levantamento ainda destaca no consumo de cultura a prática da leitura (7,5%) e dos videogames (5,1%). Marcelo dos Santos explica que o entretenimento para “ocupar o tempo” funciona como uma adaptação a mudanças repentinas. “Se a gente pensar em um mundo moderno, de pessoas ocupadas, o espaço doméstico era muito usado para o descanso. Até mesmo no fim de semana as pessoas saíam. Quando você é impedido de se locomover e é exigido um isolamento, naturalmente você tem que ocupar esse espaço.”
O entretenimento, explica o psicólogo, também é usado para limpar a mente das preocupações constantes da pandemia. “Há uma exposição contínua do número de mortos e, naturalmente, você espera, torce e reza para que isso não bata à sua porta. A proximidade com a morte está presente nas informações, dados e relatos de inúmeras famílias que sofreram com ela. Filmes, séries, livros e jogos são formas de fugir dessa realidade difícil que enfrentamos.”

 

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