Em um cenário em que a dependência de recursos provenientes de repasses estaduais e federais é a realidade de grande parte dos municípios brasileiros, a busca por autonomia financeira e o estímulo ao desenvolvimento local emergem como grandes desafios para os gestores municipais.
A dependência cria vulnerabilidades em momentos de crise econômica ou redução nos repasses. Nesse contexto, os municípios que conseguem incentivar uma economia dinâmica e diversificada são capazes de oferecer melhores condições de vida para seus habitantes, atrair investimentos e construir um futuro mais sustentável.
Entrevistamos Nelson Rocha, ex-secretário de Planejamento e Gestão do Estado do Rio de Janeiro, sobre o que gestores municipais podem fazer para contornar os obstáculos da administração pública e tornar os municípios lugares economicamente viáveis.
Rocha estará presente no seminário “4 Pilares para uma Comunicação Eleitoral Eficiente – Reputação, Dados, Segurança Jurídica e Política Pública com Bem-Estar”, que acontece no próximo dia 23 de maio, no Windsor Florida Hotel, no Rio de Janeiro.
Quais são os componentes para criar e aplicar políticas públicas de desenvolvimento que gerem resultados em curto, médio e longo prazos?
A base para estabelecer políticas de desenvolvimento passa necessariamente pelo ponto de planejá-las tendo em vista tanto o social como o econômico. A legislação faz esta previsão por meio de alguns instrumentos como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). E ainda existe o Plano de Investimentos. Mas, esses instrumentos ainda não geram os efeitos esperados pela sociedade.
Quais instrumentos poderiam gerar os efeitos esperados?
O planejamento estratégico é o melhor instrumento, pois estabelece políticas estruturais de longo prazo. E o acompanhamento feito por métricas permite corrigir problemas para atingir os objetivos esperados com melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.
A falta de recursos próprios é o maior obstáculo enfrentado pelos municípios para desenvolver suas comunidades?
Todo administrador público quer realizar projetos, mas enfrenta diversos obstáculos, dentre os quais o mais limitante é a falta de recursos. Sem recursos não há possibilidade de entregar os serviços públicos com a qualidade desejada e trazer o desenvolvimento para a população. Os governos municipais sentem ainda mais essa dificuldade porque a autonomia dos municípios, do ponto de vista das receitas próprias, é muito baixa. E eles acabam sendo cooptados pelos governos estaduais e federal.
Além dos recursos, o que mais dificulta a ação de líderes locais para promoverem o desenvolvimento em suas regiões?
Podemos dizer sem medo de errar que além das dificuldades de recursos que impedem o desenvolvimento temos a falta de planejamento, a ausência de recursos humanos qualificados e as estruturas organizacionais públicas muito engessadas. Associe-se a isso, muitas vezes, a falta de articulação política, em especial, nos municípios pequenos.
O que os municípios, não apenas os pequenos, poderiam fazer para livrar-se dessa limitação?
A limitação se dá em virtude da legislação, que tem como foco principal o controle sobre o gasto público e que torna o processo muito burocrático. Para modificar essa limitação a lei deveria ser alterada, o que geraria maior flexibilidade, mas também poderia ocasionar descontrole de gastos, o que gera receio.
O desafio é que a administração pública precisa ser mais dinâmica, sem perder o controle. Quanto à articulação política, muitos municípios se organizam em consórcios para ganharem mais poder de gestão junto aos estados e à União.
Muitos defendem o envolvimento da comunidade na criação de políticas locais, o que o senhor pensa disso?
Particularmente, eu sou adepto aos modelos participativos com governança democrática e participação popular direta. Temos bons exemplos como em Barcelona, na Espanha, e aqui mesmo no País, em Juiz de Fora (MG) na década de 1990. Ou seja, quando a sociedade participa, os objetivos são alcançados com mais facilidade.
Por que emprego, renda e comércio são fundamentais para uma administração municipal bem-sucedida?
Com planejamento, governança democrática, construção coletiva e articulação política o desenvolvimento vem como consequência, e desenvolvimento gera emprego, renda e melhoria na qualidade de vida da população.
Como os líderes municipais podem criar e aplicar políticas de desenvolvimento que sejam eficazes para além de suas administrações?
A primeira providência é entender o Estado (poder público) como ente em continuidade, não pensando apenas em uma única gestão, mas nas próximas gerações. A segunda providência é planejar com o olhar voltado para as próximas décadas e traçar as ações considerando objetivos de longo prazo. Não podemos olhar o plano diretor do município apenas como uma peça quase que só urbanística, mas sim construir o plano diretor como um plano estratégico para a cidade. Esses são apenas alguns exemplos para tornar efetivas as políticas de desenvolvimento.