Desafios e tratamento dos transtornos alimentares – Entrevista com o Psiquiatra Táki Cordás.

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‘Cozinhar e comer em família promovem uma relação saudável com a alimentação’

Psiquiatra Táki Cordás fala sobre os desafios dos transtornos alimentares no Brasil, suas causas e a importância de uma abordagem multidisciplinar no tratamento eficaz

Entenda como os transtornos alimentares afetam milhões de pessoas e os desafios enfrentados no tratamento dessas condições no Brasil. Em entrevista para a Balizah, o psiquiatra Táki Cordás, coordenador do maior centro de tratamento do País, fala sobre as causas, características e o impacto das redes sociais e dos alimentos ultraprocessados na saúde mental das pessoas, incluindo as crianças e os adolescentes. Ele também aborda a importância de um tratamento multidisciplinar, de hábitos alimentares saudáveis e de uma rotina de atividades físicas para combater a compulsão e manter a saúde mental.

Dr. Táki Cordás, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, os transtornos alimentares (anorexia, bulimia e compulsão) acometem mais de 70 milhões de pessoas pelo mundo. Qual é a incidência no Brasil e quais são os desafios para tratar essas doenças?

Ainda não existe nenhum grande estudo no Brasil sobre a prevalência de transtornos alimentares na população, a gente se guia pelos padrões internacionais: 0,5% de anorexia, 1,2% de bulimia e 3,5% de compulsão alimentar, o problema mais frequente. O maior desafio é a falta de centros especializados e de profissionais habilitados para o diagnóstico e o tratamento. Eu coordeno o maior centro do País, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, ligado à Faculdade de Medicina da USP. Recebemos gente de todo o Brasil e de outros países, pois contamos com uma enfermaria especializada multiprofissional e uma equipe multidisciplinar para tratar os transtornos.

E quais são as características da compulsão, o problema mais frequente? 

Vamos definir compulsão: ingestão de uma grande quantidade de comida muito rapidamente. É a sensação de perder o controle e devorar uma caixa inteira de chocolate, comer escondido, comer a ponto de doer… Isso ocorre várias vezes e pode aparecer em diferentes situações. Uma pessoa com anorexia ou bulimia pode ter compulsão. As crises também estão relacionadas ao agravamento da obesidade. Mas é importante dizer que a compulsão eventual pode ocorrer em qualquer pessoa, como na mulher em período pré-menstrual. A repetição é que caracteriza a doença. Ao contrário da bulimia e da anorexia, mais comuns em mulheres, a compulsão acontece de forma equilibrada entre homens e mulheres de qualquer classe social.

Quais são as principais causas para a compulsão?

Temos dificuldade em falar em uma única causa. Pode existir uma conexão com transtornos psiquiátricos como depressão, alcoolismo, TDAH e ansiedade, por exemplo. Algumas pessoas se referem à compulsão seguindo uma dieta, outras não. Também existem as questões ligadas às pressões pelo corpo ideal. 

Como é o tratamento nestes casos? 

A exemplo de outros transtornos alimentares, exige uma equipe multidisciplinar, formada por psiquiatra, nutricionista, psicólogo, terapeuta individual e familiar. Pacientes muito graves precisam de clínicos e endocrinologistas acompanhando, além de educador físico. Aí entra a questão fundamental do exercício físico, pois hoje se sabe que ele é uma arma importante dentro da psiquiatria, porque reduz sintomas depressivos e ansiedade, melhora o humor, controla o apetite e a saciedade e está relacionado à prevenção de Alzheimer.

Qual é a incidência de transtornos alimentares na infância e na adolescência? 

Entre 11 e 19 anos, em torno de 1,2% a 1,5% dos meninos e 5,7% a 6% das meninas, com aumento progressivo e preocupante nos últimos anos. 

Como você analisa o impacto das redes sociais com as pressões estéticas?

Não acho que a rede social seja vilã, depende de quem está por trás dela. Ela pode possibilitar a aproximação de grupos de apoio, de pessoas que têm doenças raras e oferecer conteúdo sério. Mas sem dúvida as redes contribuem para o aumento dos transtornos por causa da apologia da dieta. Algo, aliás, que não é tão recente. Já nas publicações europeias dos anos 1930 havia orientações de dieta, de peso ideal, e isso prosseguiu com a TV, e hoje ainda mais. Tem algo chocante na rede social que é um proselitismo em relação aos transtornos alimentares, estimulando perda de peso. Outra coisa gritante é a existência, nos Estados Unidos desde os anos 1960, dos concursos de beleza de crianças, onde o corpo da criança não é mais um corpo para si e sim um corpo para o outro.

Na última década, o consumo de ultraprocessados aumentou 5,5% no Brasil. Esses alimentos podem ser um gatilho para a compulsão?

Sim, os alimentos ultraprocessados aumentam o risco de compulsão alimentar, e estudos mostram a relação entre a depressão e esse tipo de consumo. Porque se eu estiver deprimido eu como qualquer coisa, não cozinho, os saquinhos dessas porcarias são consumidos muito rapidamente, sem o ritual. Este ritual, da preparação, do cozinhar e almoçar junto é muito importante. Cozinhar em família, despertar a vontade de preparar o alimento, comer junto e ter uma relação familiar próxima são coisas essenciais para se relacionar de forma saudável com a alimentação. 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

 

   O psiquiatra Táki Cordás é coordenador da Assistência Clínica do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares (AMBULIM) do IPQ-HCFMUSP, professor dos Programas de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da USP, do Programa de Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da USP e do Programa de Fisiopatologia Experimental da FMUSP.

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