O rápido avanço da tecnologia, incluindo o Big Data e a IA, chegou para transformar radicalmente as estratégias de comunicação eleitoral. Essa mudança está redefinindo todos os paradigmas até há bem pouco tempo conhecidos. O Big Data capacita estrategistas políticos a compreenderem mais profundamente os eleitores, permitindo uma segmentação precisa do eleitorado, enquanto a IA identifica padrões complexos de hoje e prevê tendências de amanhã.

A abordagem orientada por dados aprimora a eficácia das mensagens políticas e otimiza a alocação de recursos, fazendo os esforços e financiamentos serem direcionados com mais efetividade aos eleitores-alvo. Cabe, porém, abordar questões éticas e de privacidade resultantes desse avanço tecnológico, entre elas o uso responsável de dados pessoais e a transparência na manipulação da opinião pública.

Para falar sobre a importância dos dados nas campanhas políticas, conversamos com o cientista político Fábio Vasconcellos, líder de Ciência de Dados e Projetos Acadêmicos do Instituto Informa. Segundo ele, com a entrada da IA generativa no jogo político surgem novas oportunidades, mas também novos riscos.

Como os dados podem ajudar a promover campanhas políticas de sucesso?

Diria que não exclusivamente os dados, mas uma metodologia rigorosa, multidisciplinar e atenta ao contexto de uma campanha podem ajudar e muito. Nesse sentido, os dados, quando bem capturados, analisados e contextualizados, podem ajudar o analista a oferecer caminhos eficientes para uma campanha. São as chamadas campanhas orientadas por dados, que eu prefiro chamar de campanhas orientadas pela pesquisa. É importante lembrar que, muitas vezes, esses caminhos estão perdidos ou são de baixa visibilidade em uma campanha. Então, se você souber trabalhar com dados, você pode auxiliar o comando da campanha a entender características do processo de decisão do eleitor ou dos adversários. E isso é extremamente relevante quando feito a partir de evidências, no caso, os dados que tanto podem ser quantitativos quanto qualitativos.

De que jeito a interpretação de dados pode nos ajudar a entender melhor o que as pessoas querem politicamente?

É preciso ter mais do que nunca um olhar multidisciplinar. E aí entra muito do talento do pesquisador ou do analista. Muitas vezes o processo de decisão do eleitor opera em mais de uma, duas, três dimensões. É preciso saber olhar os dados, relacioná-los e compreender o contexto desses dados que levam até esse ponto mágico: o que o eleitor pensa e o como ele decide. Portanto, ainda mais em um contexto de comunicação dinâmica e descentralizada, é fundamental uma metodologia multidisciplinar, que combine a pesquisa quantitativa com a qualitativa e a digital, onde a campanha tem um outro ritmo e, muitas vezes, pode ajudar a antecipar tendências.

Por que é importante usar métodos científicos no planejamento de campanhas políticas?

Por duas razões. A primeira, que eu chamaria de profissionalização do processo eleitoral. Isso significa que o tempo da campanha feita na base da intuição passou. A intuição, embora permaneça presente, não dá mais conta de gerar um conhecimento claro e objetivo sobre o contexto de uma campanha, suas nuances e complexidades do tempo atual. A segunda razão é econômica: campanhas eleitorais custam caro, logo, parece razoável você buscar os melhores métodos para compreender o eleitor, seus desejos, vontades e, claro, as variáveis que estão pesando mais em uma disputa. Tudo isso é muito mais eficiente quando aplicado com método e com rigor científico.

Como as decisões baseadas em dados podem afetar o que acontece após uma eleição?

Diria que aumenta a eficiência. Mas veja, isso só é possível se a metodologia for boa e rigorosa. Em outros termos, não são necessariamente os dados. Claro que eles importam, porque sem eles não produzimos inteligência, mas a maneira como você trata os dados importa e muito. Exemplo. Você pode ter um dado excelente, no sentido de gerar boas informações, mas como você analisa ou deixa de analisar impactará a sua resposta. De um dado bom também é possível chegar a péssimas decisões. Mas o inverso não é verdadeiro. De um dado ruim não chegamos a uma ótima decisão.

O senhor poderia dar um exemplo de quando o uso de dados e de IA foi importante em uma campanha política? 

A IA está iniciando sua trajetória em campanha mais fortemente agora. O que temos é uma ampla gama de ferramentas para acelerar a captura de dados e análise de dados. Esses processos são alimentados por IA dos softwares. Agora vamos entrar na IA generativa, que produz conteúdos. Aqui há oportunidades e riscos, especialmente após a regulamentação do TSE. Há questões éticas que as campanhas terão que lidar, como não produzir conteúdo com IA que induza à desinformação. As equipes de campanha também podem se beneficiar, e muito, do trabalho de levantamento de informações com o uso de IA. Enfim, o cenário ainda está em aberto. Nós, no (Instituto) Informa, usamos IA para buscar dados digitais, classificar os conteúdos e, a partir disso, produzir análises. São ferramentas que, do ponto de vista estratégico, podem ajudar e muito.

Quais são os problemas de privacidade e ética que podem surgir quando usamos dados em campanhas políticas e como podemos resolver isso?

Hoje no (Instituto) Informa seguimos rigorosamente a privacidade dos dados. Nenhum dado que utilizamos fere esse princípio da privacidade, sejam as pesquisas quantitativas ou qualitativas ou mesmo os levantamentos dos dados digitais. Não há outra saída para a proteção dos dados que não seja a regulação. O Brasil já deu um passo com a proteção dos dados pessoais, mas acredito que entre criar a lei e fiscalizar a sua aplicação há ainda uma distância considerável. Precisamos disseminar uma cultura de respeito à privacidade das pessoas e que isso seja um imperativo ético. Aliás, esse imperativo já está presente nos códigos de pesquisas acadêmicas, e nós seguimos essa cartilha.