De uma hora para outra, e contra a vontade, a rotina de todos precisou mudar de forma radical por conta da necessidade do distanciamento social, para conter a propagação da covid-19. Além da urgência de readaptação, conflitos externos fora de casa, sobre a condução das políticas de saúde pública, por exemplo, aumentavam a sensação de que todos estavam correndo risco de vida por causa do novo coronavírus. Em decorrência de toda essa pressão, acumulada às não poucas preocupações cotidianas, a saúde emocional das pessoas passou a ser uma das mais afetadas no Brasil.
Conforme os resultados da pesquisa realizada pelo Instituto Informa, unidade de pesquisa de opinião pública do Bateiah.com, 46% dos fluminenses e 20,7% dos paulistas sofreram algum mal-estar com a saúde mental desde o início da pandemia. Enquanto no Rio de Janeiro 32% desse grupo relataram ter sofrido com ansiedade – o primeiro sintoma da lista –, em São Paulo 42,9% dos que afirmaram terem sofrido algum problema de saúde mental disseram o mesmo. Estresse e depressão também aparecem no topo dos problemas relatados pelas pessoas.
“Um dos setores mais afetados foi o emocional porque tivemos que remodelar toda a nossa rotina. Processo que ocorreu por meio de uma imposição, e de forma inesperada, por causa de um vírus que tirou a nossa ilusão de que temos o controle dos nossos projetos de vida”, afirma Ana Luiza Novis, psicóloga, terapeuta da família, e coordenadora do Time Humanidades, do Rio de Janeiro. Desde o início da pandemia, um grupo de psicólogos dirigido pela profissional atendeu quase 4 mil pessoas de forma voluntária e totalmente online.
“Ocorreram ondas muito grandes de ansiedade, de medo e de insegurança”, diz Ana Luiza. Se de um lado quem já tinha ansiedade viu os sintomas se amplificarem, de outro, mesmo quem nunca havia tido o problema passou a desenvolvê-lo, mostra a experiência dos profissionais do Projeto Humanidades.
“O medo do contágio e do futuro, de como ficaria a vida, gerou muita angústia e, inclusive, o aumento dos casos de depressão”, diz Ana Luiza. Os relatos se multiplicam. Pessoas ficaram abaladas por não poderem se despedir dos entes queridos em cerimônias tradicionais. Outras, totalmente isoladas e sozinhas em casa, também passaram a sentir ansiedade de forma mais constante. “Nesse contexto, os casos de violência doméstica cresceram. Muitos jovens, também, sem a escola e o contato com os amigos, passaram a trocar o dia pela noite, usar muito o video game e o celular, o que gerou problemas de insônia”, diz a psicóloga.
Com o passar do tempo, explica Ana Luiza, mesmo com as rotinas se readequando, a angústia continua presente na vida das pessoas. “A pandemia trouxe comorbidades. Muitos, por exemplo, perderam o emprego. Houve uma mudança muito forte na rotina de todos”, afirma Ana Luiza. “Atendi um jovem que ficou órfão aos 23 anos durante a pandemia. Ele pegou Covid e o pai também, que acabou morrendo em uns dias. A mãe já havia falecido uns anos antes”.
Laços familiares
Apesar de ter sentido medo quando tudo começou, a arquiteta Vinícia Brandão classifica o período vivido com os filhos de 8 e 13 anos e o marido também como positivo. “Foram 90 dias em casa, uma convivência muito grande que, na verdade, nunca quase ninguém havia tido. Isso serviu para fortalecer laços”, diz a profissional autônoma. Por causa da sua ocupação, após um tempo, a volta para a rua passou a ser inevitável.
“Quando tive que voltar a trabalhar, porque as contas começaram a bater na porta, me deu até uma certa revolta. Pago os impostos e, mesmo assim, diante de uma situação dessa, precisava me expor. Não temos suporte para nada e olha que ainda posso dizer que sou privilegiada”, refletiu a arquiteta.
Apesar de pessoalmente Vinícia avaliar que não teve um grande impacto psicológico, a não ser o medo, ela não descarta que isso possa ocorrer no futuro, principalmente em relação às crianças. “Percebo elas ansiosas e também inseguras sobre a doença.” Durante a pandemia, lembra a arquiteta, lives com amigos e familiares foram fundamentais para manter a saúde mental relativamente em ordem da família. “Fiquei dez meses sem dar um abraço na minha mãe”.
Grandes pressões e desconfortos emocionais
De acordo com os especialistas, o medo e a ansiedade, que tendem a estar interligados, nem sempre são 100% prejudiciais, desde que apareçam em um grau equilibrado na vida. “O estresse está muito presente na nossa contemporaneidade. A gente tem sempre que lidar com a violência, a desigualdade econômica e a competitividade. Estamos o tempo todo correndo atrás, com uma lista interminável de afazeres: do que tenho que fazer, do que tenho que comprar, do que tenho de realizar, do que tenho que saber. Estamos o tempo todo em um movimento de conquista e não se consegue relaxar”, avalia Ana Luiza Novis, psicóloga.
Segundo a profissional, sem tempo para esvaziar a cabeça, com estímulo de novas informações sempre presente, é natural que a ansiedade suba de tom. “Com um nível de demanda em excesso, a ansiedade passa a gerar desconforto, como falta de ar, vertigem e taquicardia. Por isso que as práticas de meditação estão em alta. Elas são maravilhosas para quem quer esvaziar a mente.”
Enquanto o pânico e a depressão são problemas psicológicos mais graves, mas também de certa forma relacionados com a ansiedade em excesso, o medo também é positivo se estiver presente na medida certa na vida das pessoas. “O medo é um sentimento extremamente importante em nossas vidas, para nos preservar. O medo do contágio, por exemplo, é o que nos faz usar as máscaras, lavar as mãos e manter o isolamento social”, diz a psicóloga do Time Humanidades. Segundo ela, controlar o estresse e a ansiedade é essencial para uma saúde mental equilibrada. “O pânico é o medo em grau máximo, que paralisa. Saber equalizar esses afetos é muito importante para que eles não nos prejudiquem”, afirma Ana Luiza.