Um em cada oito indivíduos vive com alguma doença ou transtorno mental no planeta. A ansiedade é um dos mais comuns, e chega a representar 60% dos casos, segundo dados do último Relatório sobre Saúde Mental no Mundo, publicado pela Organização Mundial de Saúde, em 2022. Ano passado, de acordo com o Ministério da Previdência Social, quase meio milhão de trabalhadores foram afastados por essa razão marcando o maior número registrado em pelo menos uma década. Em um levantamento da Organização das Nações Unidas, o Brasil é o país que lidera o ranking de casos de ansiedade.
Ainda, o Relatório Nacional Avaliação do Bem-Estar do Instituto Informa, divulgado em abril deste ano, mostra que cerca de 1/3 dos mais jovens declaram ter sentimentos negativos, como ansiedade, “apresentando uma taxa mais encorpada no comparativo com as outras faixas etárias”.
É um problema de ordem global que não seleciona pessoas; pode acometer, sem aviso prévio nem recado, do mais simples cidadão a alguém com desempenho tão notório e único naquilo que faz que acaba crescentemente chamando atenção para o assunto que, muitas vezes, era visto como um tabu ou algo a se esconder, não falar a respeito.
Nos últimos anos, casos envolvendo personalidades do esporte têm vindo à tona. Como, por exemplo, o da maior ginasta da história, a multicampeã Simone Biles. Medalhista 30 vezes, sendo 23 de ouro, entre campeonatos mundiais e Jogos Olímpicos, a estadunidense surpreendeu o mundo quando, em Tóquio 2020, abandonou as finais da competição sendo favorita porque decidiu priorizar sua saúde mental.
“Assim que eu piso no tablado, sou só eu e a minha cabeça lidando com demônios. Tenho que fazer o que é certo para mim, me concentrar na minha saúde mental e não prejudicar minha saúde e meu bem-estar. Não confio tanto em mim como antes”, disse Biles, à época, a atônitos jornalistas, em Tóquio.
Outro atleta que constantemente aborda questões ligadas à ansiedade é, simplesmente, o maior medalhista olímpico de todos os tempos – com 23 ouros, duas pratas e três bronzes -, o ex-nadador Michael Phelps. Em maio de 2020, ainda na ativa, o norte-americano já declarou em entrevista: “Não é fácil admitir que eu não era perfeito, mas fazer isso tirou um peso enorme das minhas costas”.
A psicóloga Maria Clara Gato, especialista no tema, explica que a ansiedade é uma resposta natural do ser humano a situações estressantes de qualquer natureza. A questão escalona para uma doença a partir do momento que persiste e seus efeitos começam a atrapalhar tanto o raciocínio, quanto as atividades do dia a dia, gerando inquietação, cansaço, alteração no sono, irritabilidade, entre outros.
“Esses sintomas podem ser caracterizados de diversas formas, sendo muito particular em cada pessoa. Até por isso, a dificuldade no diagnóstico rápido e na percepção exata do que, muitas vezes, está desencadeando a crise”, afirmou.
Ainda segundo Maria Clara, é essencial conversar sobre o assunto, pois esses debates ajudam a esclarecer a dúvida de muitos que podem estar vivendo com ansiedade, mas não entendem aquilo que sentem. Enfrentar a situação ajuda a desfazer preconceitos e a incentivar a todos que passam por essa questão a procurar ajuda profissional, seja com um psicólogo ou até com um psiquiatra.
A partir de crises vivenciadas no período mais agudo da pandemia de covid-19, a empresária Joana Cannabrava, de 38 anos, aprendeu que falar a respeito de seus problemas poderia ser uma espécie de ajuda terapêutica e instrumento de trabalho.
Ela conta que, em determinado momento daquele período, começou a ter pensamentos que paralisavam ser corpo. Desenvolveu, também, obsessões que iam da dúvida se desligou o gás a qualquer outra coisa que, na cabeça dela, certamente acarretaria um desfecho ruim.
“Levei para terapia e minha psicóloga suspeitou de estresse pós-traumático, já que meu marido, noivo à época, tinha sido internado com covid, quando na televisão contavam da abertura de covas para conseguir enterrar a grande quantidade de pessoas que morriam por dia. Falei das minhas crises com uma amiga que havia sofrido de ‘pânico’ e ela sugeriu que eu visse seu psiquiatra”, comentou.
Joana conta que, mesmo precisando de ajuda, foi ao profissional imbuída de preconceito; até mesmo na hora de tomar a medicação que a ela foi indicada. Somente um ano e oito meses depois do início do tratamento, a empresária afirma que se deu conta de que não era necessário ter esperado tanto para pedir ajuda.
“Conheço muita gente que vai ter alta do tratamento de ansiedade e voltará a viver normalmente. Mas, para mim, é preciso todo o combo: medicação, terapia, bom sono e exercício físico. É assim que eu vivo uma vida bacana e equilibrada, sem estar tomada de crises ou medo”, disse.
Hoje, por meio de suas redes sociais (@paposobreautoestima) e de palestras, Joana compartilha um pouco de sua rotina e dos ensinamentos que esse novo modo de viver e de conviver com seus pensamentos trouxe a ela; além de incentivar que outras pessoas não permitam que o preconceito as afaste da possibilidade de uma solução.
“Eu agradeço o privilégio de poder me proporcionar isso e fico pensando que quase não procurei ajuda por puro preconceito. Hoje eu voltei a ser eu. A medicação me trouxe de volta e só posso agradecer por me tratar com gente tão boa. Num mundo tão ‘ansiogênico’ é muito incoerente a gente ter tanto medo de procurar ajuda”, enfatizou.
O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza atendimento gratuito para pessoas em sofrimento psíquico por meio dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). De acordo com o Conselho Federal de Psiquiatria, a Atenção Primária à Saúde é a porta de entrada para o cuidado e desempenha papel fundamental na abordagem dessas questões.