Não há dúvidas de que, durante a pandemia do novo coronavírus, todos nós tivemos que mudar, de alguma forma, nossos hábitos e relações sociais. Pesquisa realizada pelo Instituto Renoma, unidade de pesquisa mercadológica do Bateiah.com, explora os impactos da pandemia na convivência familiar e em sociedade. Foram entrevistadas 519 pessoas no Estado do Rio de Janeiro e os resultados sugerem que o período de isolamento afetou vidas de muitas maneiras, que vão além da preocupação com a doença. Especialmente as famílias, em que muitos tiveram que conciliar as novas demandas de trabalho em home office com o ensino dos filhos e os cuidados com as pessoas mais velhas da casa ou com a saúde fragilizada.
O levantamento aponta que a pandemia promoveu mais aproximação na convivência com as pessoas da casa para 36,8% dos entrevistados. E causou mais distanciamento para 14,2%. Mudaram drasticamente os hábitos em casa 42%, enquanto 42,4% expressaram que o medo da Covid-19 aumentou.
A psicóloga Maria Valesia Vilela, especialista em psicologia clínica e inteligência emocional, destaca que esses dados identificaram lições de vida importantes, entre elas, o valor do tempo em família e a adaptação às mudanças. “Em um primeiro momento da pandemia, o impacto foi muito grande porque as relações familiares, que tinham determinado tipo de funcionamento, foram completamente modificadas. As crianças que iam para a escola passaram a ficar em casa. Um conjunto de situações foi provocado pela pandemia por forçar os familiares a conviverem muito tempo em um espaço físico reduzido e sem saber como fazer, porque foi o primeiro momento na história dessa geração que isso acontece. Nós precisamos, necessariamente, aprender novamente essa convivência mais íntima, que acontecia em épocas mais remotas, quando não tínhamos internet, válvulas de escape, e as famílias ficavam mais reunidas.”
Nem todos puderam mudar a rotina
Em relação aos relacionamentos pessoais – familiares e amigos -, 49,8% disseram conhecer alguém que tenha tido coronavírus. No entanto, 90,7% não mudaram seus hábitos. “Essa resposta é muito fiel à realidade no Brasil. A população teve um comportamento que deixou muito a desejar”, analisa a socióloga Simone Pedro, em relação ao isolamento social. “Desenha-se aí que há dois grandes grupos de famílias: um que consegue fazer todas as mudanças de hábitos recomendadas pelas organizações de saúde e um segundo grupo que está meio que sobrevivendo na pandemia sem grandes alterações na rotina, em grande parte por não ter sequer condições financeiras. E não podemos descartar que, nesse mesmo grupo, há os negacionistas, que não veem a necessidade de cuidados para controlar o vírus.”
Sobre os 36,5% para os quais tudo continuou igual, a socióloga comenta: “É importante frisar que as políticas governamentais refletem esse comportamento. O trabalhador comum se viu obrigado a manter a rotina como se nada houvesse. O impacto na vida dessas pessoas, portanto, foi muito baixo.”
Táticas para não se sentir no limite
Se para uma parcela de famílias a pandemia promoveu maior aproximação dentro de casa, a maior convivência também fomentou brigas e rupturas (8,2%). É o caso do educador físico e microempresário Carlos Eduardo de Castro Cappelli, 49 anos. “Minha academia ficou três meses e meio fechada, vi meu rendimento financeiro diminuir drasticamente, e minha mulher ainda ficou sem trabalhar. Sofremos muito. Precisei me reinventar para trabalhar e driblar os conflitos em casa.”
Ele brinca que precisou se “virar nos 30” para a família não se sentir no limite. “É complicado, ainda mais quando se mora em um ‘apertamento’! Pelo menos temos o privilégio de contar com alguma tecnologia, celular para mandar vídeos para a família, videogame para distrair as crianças. Voltamos 30 anos nas brincadeiras de infância: adedanha [jogo também conhecido como stop!], contação de histórias. A tática era cansar as crianças e fazê-las dormir cedo para termos momentos a dois”, diz Cappelli, que, antes, não tinha medo do novo coronavírus: “Passei a ter medo agora, após as flexibilizações, porque você se depara com milhares de pessoas nas ruas e a doença ainda está aí.”
Para as relações familiares não se desgastarem durante esse período de pandemia, a psicóloga Maria Valesia Vilela reforça que é importante encontrar mecanismos para canalizar emoções como estresse, angústia e incertezas. “É importante encontrar um momento comum de alegria, como o das refeições ou atividades que envolvam a todos, como jogos de cartas, música. Aos poucos, cada um vai aprendendo a curtir estes momentos, porque é uma aprendizagem. O ser humano funciona dentro de um padrão que quando é quebrado, existe uma resistência.”
Parcerias reforçadas
Para a consultora de TI (Tecnologia da Informação) Thaís Almeida, 30, a pandemia reforçou o convívio em casa. Segundo o estudo, ela também se encaixa nos 40,5% que disseram ter mudado drasticamente os hábitos nos relacionamentos pessoais. Por outro lado, o impacto foi positivo no trabalho. “Eu e meu marido já trabalhávamos em home office. A diferença é que a demanda aumentou e antes tínhamos uma rede de apoio para nosso filho, de 2 anos e 7 meses, que era a creche. A pandemia nos uniu mais, acompanhamos mais de perto o crescimento de nosso filho.”
A opção da família foi manter-se isolada. “Ainda não visitamos ninguém. Continua sendo um período de muitas reuniões e abraços virtuais.”
Na contramão de muitos casais que se separaram no período em que foi imposto o isolamento, o comerciante Patrick Orlando, 28, conta que a pandemia reforçou o relacionamento com a namorada. “Eu morava só, no início da pandemia decidimos morar juntos e testarmos nossa convivência. Foi interessante porque a quarentena acabou sendo positiva para a nossa relação.”