Chegada de um novo ano é tempo de refletirmos ações necessárias para uma vida mais interessante e sustentável
Mal chegamos em dezembro e já somos tomados pelo vírus do “ano que vem vai ser diferente”. Fazer listas de promessas de ano novo com itens como “emagrecer”, “viajar”, “ler mais” pode parecer, para muitos céticos, papo tão furado como pular sete ondas, comer lentilhas ou guardar semente de romã na carteira. Mas cientistas de comportamento já estudaram o fenômeno da lista de promessas e garantem que o começar de um novo ciclo é um santo remédio para o cérebro criar novas metas.
É o que pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, chamaram de “Fresh Start Effect”, algo como “Efeito do Recomeço”, em estudo publicado em 2014. “A popularidade das resoluções de Ano Novo sugere que as pessoas são mais propensas a atingir seus objetivos imediatamente seguindo marcos temporais salientes.
Este fenômeno pouco pesquisado tem o potencial de ajudar as pessoas a superarem problemas importantes de força de vontade que muitas vezes limitam o alcance de metas. (…) esses marcos de passagem do tempo criam novos períodos de contabilidade mental a cada ano, que relegam as imperfeições do passado para um período anterior, induzem as pessoas a terem uma visão global das suas vidas e, assim, motivam comportamentos aspiracionais”, escreveram na publicação os autores Hengchen Dai, Katherine L. Milkman e Jason Riis.
Do coletivo para o pessoal
Mas, e se a vontade de começar tudo de novo de uma forma melhor vier acompanhada de passos para um mundo melhor? Se tem alguém gabaritado em pensar nessa equação, essa entidade é a ONU (Organização das Nações Unidas).
Para guiar governos e cidadãos na nobre busca de melhorar a sociedade em que vivemos, a entidade propôs, em 2015, um conjunto de 17 objetivos chamados de ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). São propostas com metas até 2030 como acabar com a fome, reduzir as desigualdades e proteger as vidas terrestre e marinha.
“São 17 objetivos ambiciosos e interconectados que abordam os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo”, diz a ONU.
Vamos começar um novo ciclo com metas que ajudem todo mundo? Separamos algumas sugestões baseadas nas ODS da ONU. Anota aí!
Uma lista e tanto
1 – Consumir de pequenos produtores (ODS 2 – Fome Zero e agricultura sustentável)
O pequeno produtor de alimentos usa menos agrotóxicos (ou até nenhum, se for orgânico), tem menos intermediários até a venda (e por isso utiliza menos água e combustível até chegar a você) e gera emprego e renda para milhares de famílias. Bruno Yamanaka, especialista de Conteúdos do Instituto Akatu, lembra ainda que é mais fácil achar neste tipo de comércio os produtos sazonais. “Consumir alimentos da época significa adquirir produtos que necessitam de menos recursos (água, energia, fertilizantes, pesticidas) do que aqueles fora de época.”
Comprar mais de pequenos produtores parece uma meta fácil de se alcançar, mas o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) identificou como principais empecilhos a grande variação de preços e a dificuldade de encontrar onde comprar esse tipo de produto.
“Existe o mito de que os alimentos orgânicos são caros demais, mas na verdade o que acontece é que eles parecem mais caros porque os supermercados onde costumamos comprar cobram até quatro vezes mais do que as feiras. Nas feiras orgânicas, muitas vezes, os consumidores compram direto dos produtores, o que possibilita preços mais baixos e a experiência de troca entre o consumidor e o produtor.”
Para facilitar a vida de quem quer passar a comprar de pequenos produtores, o Idec mantém um mapa com o endereço de feiras orgânicas em todo o país. Você pode conferir aqui!
2 – Ter hábitos de vida mais saudáveis (ODS 3 – Saúde e Bem Estar)
O Ministério da Saúde adverte: cuidar da saúde é contagioso. É isso mesmo! Ter hábitos saudáveis incentiva todos a seu redor a também embarcarem nessa onda, além de, claro, te fazer viver melhor e precisar de menos recursos médicos.
É o que explica Sumika Mori, geriatra e coordenadora do Centro de Longevidade Ikigai do Hospital Japonês Santa Cruz, em São Paulo. “Quanto mais a pessoa tem autonomia, utiliza menos recursos do SUS ou plano privado. As pessoas que se cuidam mais também são as mais propensas a conversar com outras sobre os benefícios dos bons hábitos. É um comportamento transmissível, tanto para familiares como outras pessoas do entorno. É um papel social muito importante que diminui o uso de recursos na saúde e a transmissão de doenças.”
Inclua na lista de hábitos saudáveis comer alimentos naturais e variados, fazer exercícios físicos regularmente e evitar abuso de álcool e drogas. Sumika lembra que se movimentar é fundamental para envelhecer bem. “Os exercícios são os principais fatores de longevidade. Um dos grandes dilemas do envelhecimento é a perda de independência, e manter exercícios é fundamental para autonomia. Quem se exercita também está mais protegido de doenças do trato circulatório e da osteopo
rose. Movimentar-se preserva ainda a memória e evita demência.”
E então, se convenceu da urgência em colocar essa meta na sua lista?
3 – Doar livros (ODS 4 – Educação de Qualidade)
Um dos objetivos da ONU para os próximos anos é garantir educação de qualidade a todos. Pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, divulgada em dezembro deste ano, mostra que 84% da população brasileira não comprou nenhum livro em 2023. O preço é apontado como principal empecilho.
Quem sabe aquela pilha de livros já lidos que adormece nas suas prateleiras pode ajudar alguém ávido por conhecimento? É possível doar para bibliotecas públicas e comunitárias e em projetos sociais. Os sebos também são alternativas se você quer algum retorno financeiro ou mesmo trocar por outras obras.
Os endereços de todas as bibliotecas públicas podem ser conferidos no site do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas. Já o contato das bibliotecas comunitárias pode ser conferido com a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.
4 – Dividir de forma igual o trabalho doméstico em casa (ODS 5 – Igualdade de gênero )
O desequilíbrio nos trabalhos de cuidado nunca foi tão discutidos como em 2023, quando foi tema da redação do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). As mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre 2022.
Bora emendar as reflexões com um pouco de ação em 2024? Seja qual for o seu gênero, é possível refletir sobre como são divididas as tarefas no seu lar e repensar essa divisão. Quer uma ajudinha?
O primeiro passo é abrir o diálogo. “Diga o que você gosta de fazer, o que não gosta e o que não tolera. Depois, deixe que a outra parte responda às mesmas perguntas, para que possam chegar a um acordo”, sugere a agência de trabalhadores domésticos Mary Help.
Que tal tentar?
5 – Utilizar menos o carro (ODS 7 – Energia Limpa e Acessível)
Parece até que ainda estamos na promessa de ter hábitos mais saudáveis, mas andar mais a pé ou de bike deveria estar no topo das suas metas. Usar sua própria energia para se locomover em vez de optar por automóvel não só traz impactos positivos para a saúde como ajuda a todos a respirar melhor e até a sentir menos calor.
Isso mesmo! De acordo com a ONU, o setor de transporte é responsável por quase um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa relacionadas à energia. “As emissões dos veículos são uma fonte significativa de partículas finas e óxidos de nitrogênio, as principais causas da poluição do ar urbano.”
Vale lembrar que o efeito estufa é o maior responsável pelo aquecimento global, fenômeno que faz com que a gente vivencie cada vez mais ondas de calor.
Se contribuir para redução do consumo de combustível fóssil, melhorar o clima, reduzir a poluição e economizar não são razões que te motivem, caminhar traz benefícios para a saúde como melhorar a circulação sanguínea, reduzir a sonolência, fortalecer a musculatura e trazer sensação de bem-estar.
6 – Prestar mais atenção nas empresas que consumo (ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico)
Toda compra envolve uma relação de escolha que vai bem além de custo e benefício. Quando se adquire desde um alimento até um bem-durável, estamos consumindo também um ciclo de produção que aquela simples blusinha em promoção percorreu antes de chegar a seu guarda-roupas.
De onde vem o algodão utilizado? Qual a quantidade de água e energia envolvidos no processo? Como os funcionários da loja são remunerados? São questões importantes para a vida sustentável do planeta, mas que, na correria do dia a dia e por conta de questões econômicas, nem sempre refletimos antes de comprar.
“As empresas também têm sua responsabilidade e precisam fornecer escolhas sustentáveis para o consumidor. Dessa forma, a cada vez que uma pessoa escolhe comprar de uma empresa que investe no meio ambiente e na comunidade, essa compra representa um ‘voto’ que reflete em um mundo mais sustentável”, explica Bruno Yamanaka, especialista de Conteúdos do Akatu, instituto que luta por um consumo mais consciente.
Mais do que pesquisar empresas responsáveis, Yamanaka afirma que o consumidor preocupado com a sustentabilidade se faz perguntas antes de comprar, como se realmente precisa daquele produto, os impactos da compra e de que forma preservar o bem para que dure mais.
Entre as tendências de consumo consciente pesquisadas pelo Akatu estão comprar em brechós, prestar atenção nas embalagens, levar em conta suas filosofias de vida e, acima de tudo, comprar apenas o necessário.
7 – Viajar para conhecer um patrimônio histórico (ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis )
Agora sim, temos uma meta para relaxar, mas sempre pensando em sustentabilidade para um mundo melhor.
Que tal colocar na sua lista de viagens para 2024 um passeio a um patrimônio histórico? O Brasil tem 22 patrimônios mundiais em seu território. Entre eles, o centro histórico de Salvador, na Bahia; Paraty e Ilha Grande, no Rio de Janeiro; e a cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais.
Receber turistas responsáveis é visto por especialistas como forma de trazer preservação para esses bens. “O turismo pode não só ser uma fonte significativa de renda e desenvolvimento econômico, mas também contribuir para a salvaguarda e promoção do patrimônio cultural. Por isso, fomentar o crescimento sustentável do setor é uma de nossas prioridades”, afirma o Secretário-geral da Organização Mundial de Turismo, Zurab Pololikashvili, em artigo produzido para o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
8 – Gerar menos lixo (ODS 12 – Consumo e produção sustentáveis)
Já pensou ficar um ano sem gerar lixo? Parece um tanto impossível, mas a produtora de conteúdo Cristal Muniz aceitou o desafio. A experiência virou o livro “Uma vida sem lixo”, blog e, claro, estilo de vida desde 2015. Ela passa também todo o mês de julho sem gerar lixo e dá dicas em seu perfil no Instagram. Algumas parecem mais radicais, como trocar o papel higiênico por ducha e toalhinha, fazer sua própria pasta dental e não usar mais esponjas.
Mas algumas delas são mais básicas para quem quer entrar na meta. Entre as propostas de Cristal, estão levar sempre uma ecobag na bolsa, deixar as contas todas na versão digital, comprar mais na feira e a granel e recusar a via do cartão e outros folhetos.
“A gente sabe que a ação individual, sozinha, não vai resolver os problemas enormes que a gente tem para resolver quando o assunto é sustentabilidade. Mas eu prefiro olhar para as ações individuais de outro jeito: elas nos fazem criar a consciência individual que, se a gente compartilhar, se transforma em consciência coletiva. Elas também fazem a gente colocar em prática o que a gente acredita e parar para pensar qual pegada a gente tá deixando no meio ambiente”, diz a influenciadora.
Bruno Yamanaka, especialista de Conteúdos do Akatu, ensina a utilização dos 5R’s para produzir menos lixo: repensar, recusar, reduzir, reutilizar e, na última ponta, reciclar. “Antes de tudo, precisamos refletir sobre nossos hábitos de consumo e o que geramos de resíduos atualmente, para então evitar tudo aquilo que é gerado desnecessariamente, e substituir aqueles itens com alternativas sem ou com menor geração de resíduo.”
9 – Plantar uma árvore (ODS 15 – Vida Terrestre)
Uma publicação nas redes sociais viralizou neste mês de dezembro em meio ao calor excessivo. Ela mostrava uma reportagem com a iniciativa de uma prefeitura em pintar as ruas de azul para reduzir o calor. Acima, o comentário ácido e certeiro de um internauta: “Imagina quando descobrirem a tecnologia ÁRVORE”.
A questão parece muito clara na atual emergência climática, não é mesmo? Além de sombra e ar fresco, o plantio de árvores é aliado na economia da produção de energia. Levantamento da ONG Akatu mostra que, se um terço dos brasileiros plantar uma árvore, seriam poupadas emissões de geração de energia para 4,8 milhões de casas por um ano.
Algumas iniciativas facilitam a vida de quem quer plantar uma árvore. O Parque Burle Marx, na zona oeste da cidade de São Paulo, por exemplo, permite que qualquer interessado pague valores entre R$150 e R$500 para escolher uma muda nativa, ser acompanhado por uma bióloga e plantar no local uma árvore, que depois ganha placa de identificação com o nome da pessoa. No site do parque, é possível acompanhar o crescimento da planta.
10 – Ser menos corrupto (ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes)
Epa! Como assim? Eu, corrupto?!
Pois é, o adjetivo é forte. Muita gente liga a corrupção a apenas crimes de desvio de dinheiro público que envolvem grandes quantias. Uma pesquisa realizada pelo Ipec no ano passado mostra que a corrupção é o segundo tema que mais preocupa o brasileiro, atrás apenas do desemprego.
Mas muita gente ainda parece alheia aos pequenos hábitos corruptos do dia a dia. Vamos aos exemplos?
- Comprar meia entrada para shows mesmo não tendo direito
- Utilizar os famosos “gato net” para ter em casa canais por assinatura pagando menos
- Comprar produtos pirata
- Oferecer propina para não ser multado
- Ocupar vagas preferenciais no transporte público e na hora de estacionar
E mais uma infinidade de casos… Vamos começar 2024 passando o pente fino na consciência e mudando hábitos ruins?
O professor de psicologia da UnB (Universidade de Brasília) Ronaldo Pilati Rodrigues lembra que a corrupção é uma questão cultural existente em todos os países, mas que precisa ser combatida.
“Precisamos modificar a norma social que favorece comportamentos corruptos, e uma forma de atingir isto é promover e divulgar a grande maioria de cidadãos que, com suas ações diárias, rejeitam a corrupção e não aceitam este comportamento negativo em suas vidas”, afirma em artigo publicado sobre o tema.
Bora lá para 2024?