Intelectual e provocador, que nos deixou no último ano, Bruno Latour defende a tese de que nunca fomos modernos: os valores e crenças influenciam o que acreditamos, seja lá o que métodos científicos defendam. Valores e crenças mobilizam muitos dos que flamulam ideias políticas. Ser eleitor de direita não é um defeito – nem de esquerda. No entanto, os extremismos dos dois campos são nocivos. Exemplos? Temos! Poderíamos citar, de um lado, Benito Mussolini e, de outro, Vladimir Ilyich Ulianov – Lenin. Trata-se de ovos das serpentes dos radicais de direita e de esquerda, que estimulam comportamentos em aliança com valores e crenças.
Valores e crenças muitas vezes confrontam as ciências e dados da realidade concreta. Ou não observamos isso nos últimos tempos? Podemos citar o exemplo da corrupção inimaginável da ciência geodésica por extremistas de direita – motivamos pela crença de que a humanidade foi manipulada acerca do formato da Terra. Por sua vez, extremistas de esquerda corromperam as ciências linguísticas: a defesa necessária das minorias operada com transgressões gramaticais. Latour tem razão! Não somos modernos…mesmo com as mais sofisticadas tecnologias nas palmas de nossas mãos.
Tratamos aqui do acontecimento que nos deixou perplexos no dia oito de janeiro de 2023 em Brasília. Portanto, nos interessa nessa oportunidade os extremistas de direita. A manifestação mais clara dos eleitores de direita se apresentou na eleição de Bolsonaro – ainda que a formação política brasileira tenha no conservadorismo um forte pilar histórico, que pode ser manifesta pelas mãos de outros líderes no futuro. O que se convencionou chamar de “bolsonarismo” congrega muitos perfis, dentre eles os mais radicais. É apropriado fazer uma segmentação macro desses eleitores, para evitar injustiças: eleitores de Bolsonaro, apoiadores incondicionais e radicais golpistas. É possível observar uma gradação nesses perfis – tratamos aqui do terceiro tipo, que pode não contar com a solidariedade dos demais.
A barbárie que tomou conta da Praça dos Três Poderes expressa a motivação por valores e crenças que corrompem as linhas constitucionais. Os gestos e verbos traduzem a ausência civilizatória. A expressão dos olhos e os traços das faces, cansaço e desesperança. A força da multidão, tratada como irracional por alguns pensadores clássicos, foi aplicada na destruição sem um plano específico de poder. O que esperavam aquelas pessoas sobre o dia seguinte? Qual poder emanaria daqueles gestos nas expectativas dos golpistas? Os valores e crenças rebeldes, motivados pela contestação dos resultados das eleições, moveram os que acreditavam em uma revolução tacanha – além dos financiadores e dos que “pegaram carona” (termos da lógica da ação coletiva de Marcur Olson) sentindo-se representados pelos que provocavam o caos.
São variados os perfis da nova direita. E as fontes de valores e crenças que a motiva. Um pouco de cada perfil pode compor os valores e crenças disseminados por interação em um grupo social – regido pelos organizadores de conteúdo das redes sociotécnicas. Exemplos curtos e diretos! Muitos religiosos entraram descabeçados na política (ainda que orientados por líderes) – o ódio justificado para os “remidos triunfantes”! As formações militares e policiais contribuíram com a crença de que o uso da força é o melhor caminho. A tradição firmada na família fermentou o ódio e a força amalgamados em uma missão – em que valores e crenças estão acima de qualquer coisa.
Faltava um grande motivo. Um guia motivador para edificar a cena bárbara: o comunismo! Contra Deus, a ordem e a família…o grande inimigo foi apresentado como o grande alvo. O discurso dos anos 1980 foi resgatado. Arma dos norte-americanos para doutrinar seus cidadãos contra os soviéticos: o comunismo recebeu status de “besta do apocalipse”. Resgatado pelo bolsonarismo, o argumento é simples…mas enraizado desde a escola dominical cristã aos cursos de formação policial. A crença e os valores foram os vínculos para comportamentos políticos estranhos nos últimos anos e na mais evidente distorção acerca da Constituição observada naquele dia fatídico.
Diante desses traços, dentre outros que não citamos, parece improvável que os radicais aceitem o resultado das urnas. Eles não são modernos!