As famílias brasileiras têm feito malabarismo para fechar o orçamento nos últimos meses. Com a inflação em alta, a sensação da maioria das pessoas, independentemente da classe social, é de que a renda está cada vez menor. Pesquisa realizada pelo Instituto Renoma, unidade de negócio da Bateiah Estratégia e Reputação, em março deste ano, aponta que a percepção da maioria dos brasileiros é de que o ganho mensal familiar diminuiu.
Para 67,6% dos moradores de bairros como Jardins, Jardim Paulista, Vila Nova Conceição, Higienópolis, Lapa e Perdizes, considerados bairros de alta renda, o ganho financeiro da família diminuiu durante a pandemia. Nos bairros de Sapopemba, Vila Matilde, Cidade Tiradentes e Itaquera, considerado de baixa renda, 66% dos lares perceberam a redução da renda mensal no período. Apenas 9,8% dos moradores de bairros de alta renda viram os ganhos aumentarem e só 1,9% das famílias de regiões de baixa renda contabilizaram elevação nas suas rendas. Por outro lado, 32% das pessoas dos bairros mais pobres e 22,5% dos que moram em regiões de alta renda continuaram com os rendimentos iguais durante a pandemia, conforme revela a pesquisa. As mulheres foram as que mais sentiram o impacto nos rendimentos, com 72,6% delas apontando queda nos ganhos contra 61,8% dos homens.
Os moradores do Rio de Janeiro também estão sentindo o impacto nos bolsos, com 64,7% das famílias de regiões de alta renda (Leblon, Ipanema, Lagoa, Jardim Botânico e Gávea) revelando diminuição nos ganhos familiares. Nos bairros de renda mais baixa (Bangu, Realengo, Santa Cruz e Campo Grande) a queda nos rendimentos foi verificada por 62,3% das famílias.
Economês x vida real
“Estamos vivendo um cenário econômico volátil. A constante desvalorização da nossa moeda tem gerado facilidade de venda da nossa produção, as commodities, para o mercado externo. Isso facilita a venda para o exterior e ficamos com parte pequena da produção. Além disso, o aumento do combustível também contribui para inflação, porque o setor agrícola utiliza diesel durante o processo de produção e combustível para o transporte. E o reflexo disso é sentido nas gôndolas dos supermercados”, explica o CEO da Vallus Capital e especialista em mercado financeiro Caio Mastrodomenico.
Em março, o IPCA, índice oficial de inflação, acumulava alta de 6,10% nos últimos 12 meses. O IGP-M, o “índice do aluguel” da FGV (Fundação Getulio Vargas), por sua vez, acumula alta de 31% nos 12 meses até março.
Apesar de a inflação oficial estar em aceleração, mas com percentual abaixo de dois dígitos, o peso no bolso do consumidor é bem maior, já que o indicador leva em consideração o valor médio dos preços e alguns produtos tiveram alta bem maior do que isso. É o caso, por exemplo, dos combustíveis.
“Foram aplicados sucessivos reajustes nos preços da gasolina e do óleo diesel nas refinarias entre fevereiro e março e isso acabou impactando os preços de venda para o consumidor final nas bombas. A gasolina nos postos teve alta de 11,26%, o etanol, de 12,59% e o óleo diesel, de 9,05%. O mesmo aconteceu com o gás, que teve dois reajustes nas refinarias nesse período, acumulando alta de 10,46%, e agora o consumidor percebe esse aumento”, explica o gerente da pesquisa, Pedro Kislanov.
Os preços dos alimentos também estão mais salgados. Uma boa notícia para o consumidor, segundo o IBGE, é que a inflação do grupo alimentação e bebidas vem desacelerando. O preço continua subindo, mas sobe menos a cada mês. “Os alimentos tiveram alta de 14,09% em 2020, mas, desde dezembro, apresentam uma tendência de desaceleração. Alguns fatores contribuem para isso, como uma maior estabilidade do câmbio e a redução na demanda por conta da suspensão do auxílio emergencial nos primeiros meses do ano”, comenta Kislanov.
O que dói no bolso
A funcionária aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo Tânia de Oliveira, 64, que mora com a mãe e duas cachorrinhas, não teve redução na renda, mas está sentindo no bolso as altas sucessivas nos preços dos produtos e a queda no poder de compra.
“Os alimentos – arroz, feijão e óleo – e produtos de limpeza – sabão em pó, sabão em barra e sanitizantes subiram, em média, 30%”, diz. Para enfrentar a alta nos custos Tânia faz muita pesquisa, além de trocar de marca e substituir produtos. “Faço pesquisa pelos aplicativos dos mercados, pelos folhetos e jornais dos estabelecimentos. Quando já estou na loja, compro apenas o que está em oferta e, para me manter dentro do orçamento, deixo de comprar algumas coisas”, afirma a aposentada. “Tenho comprado menos feijão. De vez em quando, compro aqueles de latinha, de potinho, misturado com ervilha, como salada, para substituir, pois não dá para comprar dois, três quilos de feijão e cozinhar todas as semanas, pois o gás também está caro”, afirma.
Tânia teve que reduzir o consumo de iogurte, bolachas, requeijão, creem cheese, leite condensado, creme de leite e também chocolate. “Compro só de vez em quando. Também não compro mais variedade de pães. Não sofro com o aumento da carne porque sou vegetariana, mas minha mãe consome, então compro uma porção de carne pronta, só para ela.”
Entra menos, sai mais
Mastrodomenico explica que muitas pessoas estão recebendo menos e, além disso, houve a perda do poder de compra da população. “Os brasileiros estão enfrentando muita dificuldade para levar comida à mesa, porque temos mais de 14 milhões de desempregados, aumento dos preços e redução da renda”, diz. Ele destaca que, com o cenário da pandemia, os trabalhadores não conseguem nem tentar aumentar a renda financeira. “Perdem emprego e também as rendas secundárias, como quem vendia algum produto em escritórios, por exemplo”, avalia. De acordo com ele, a perda de valor da moeda brasileira durante a pandemia chega a 30%. Com o real desvalorizado, os produtos brasileiros ficam mais atraentes no exterior e isso contribui para o aumento dos preços por aqui.
“O mercado interno tem competição maior de compra. A queda da taxa de juros baixada pelo Banco Central (BC) gera reflexos na sociedade, como a maior facilidade para a compra de imóvel e financiamentos e incentivo ao consumo. Junto a isso temos a desvalorização da moeda. É um cenário dicotômico, alto consumo, mas também com escassez”, diz o especialista ao lembrar que recentemente o Fórum Econômico mundial trouxe a pauta sobre escassez de alimento para o próximo ano e o seguinte.
Outro ponto que também merece destaque neste cenário econômico é a inadimplência, que está aumentando bastante em decorrência da paralisação das atividades comerciais e industriais. Conforme os últimos dados disponíveis pelo BC, em fevereiro, os atrasos entre 15 e 90 dias – ou “pré-inadimplência – chegavam a 3,65% (famílias) e 1,69% (empresas). Em dezembro, os percentuais eram de 3,24% e 1,52%, respectivamente.